Páginas

Translate

Último pingo

Imagem da internet






A chuva chega atrasada
traz vida a ela que se esconde
atrás daquela janela

Chora forte, escorre pelas ruas
as dores dos dias
Atrás dela, o vento bravo
empurra os galhos, sem dó,
até quase quebrá-los

As goiabas caem,
as verdes e as podres,
as flores e as folhas,
as belas e as mortas

Ela abre a janela,
inspira o som molhado
Refugia-se.
A chuva insiste, resiste.

Por mais um instante,
embalo-me sozinha
pelos pingos em veludo
que pisoteiam as telhas,
as pretas e as amarelas.

Um trovão longe e rouco
desfaz a cadência, a cena.
A inspiração esvai-se, líquida,
no silêncio do último pingo.


Bom fim de semana!

Nossa versão editada

Imagem: pinterest
Um dia desses assisti a um programa na tevê em que se comentava sobre os textos postados nas redes sociais. O tópico era sobre a versão editada de nós mesmos. Foi o bastante para me tirar a atenção da discussão e, por alguns instantes, fiquei refletindo sobre o assunto.

Escrevemos, desenhamos, rimamos para os outros e para nós mesmos como poesia declamada, inequívoca, após ensaios. Poucos são os corajosos que deixam expostos os defeitos e as palavras feias. Ninguém (ou quase ninguém) se vende como mal-humorado, pessimista, endividado. É a nossa versão editada da vida em "florisbela".

Como tão bem escreveu Kanavillil Rajagopalan, professor de linguística na Unicamp:

"O que narramos nunca é nossa vida tal qual realmente vivida, mas a vida como ela foi vivenciada. Isto é, toda narrativa é uma reflexão sobre nossas experiências de vida e sobre os eventos marcantes ocorridos ao longo dela, um esforço de recuperação, mais ou menos confiável e agradável, das experiências passadas a partir de cacos de lembranças vagas espalhados pela memória, tornada factível graças ao olhar retroativo do qual dispomos após passar por elas" (grifo meu).