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O menino loiro, com nome de anjo, é o quarto da fila dos dez alienígenas que seguem pela mata ciliar que margeia o Rio da Prata. São nove turistas mais o guia vestidos de mergulhadores para conhecer o Reino das Águas Claras. Terá vindo daqui a inspiração de Monteiro Lobato?
O menino reclama da roupa que aperta o corpo. São dois quilômetros a vencer. Não está calor, mas o cheiro de mata parece infiltrar no neopreme, que começa a coçar na pele. Um veado-mateiro come tranquilamente à esquerda.
- Ele já está acostumado com os turistas porque já aprenderam que não somos perigosos! Quem explica é um jovem guia que incorporou-se da calma do lugar para repetir o ofício com prazer de um calouro.
Ainda pode-se ver um veado nas nossas matas em recuperação! Que privilégio! Antes já havia acompanhado a correria de um tatu cruzando a estrada de terra e se embrenhando pelo pasto. E como era rápido! Não sei por que imaginava que tatus fossem lentos como as tartarugas.
Na trilha, o anjo Gabriel balança o corpo como um bêbado consciente do cansaço, já à beira do desespero:
- Mãe, você não está entendendo! Eu estou literalmente morrendo...
A mãe, bióloga encantada com os bichos e a natureza não se dava conta dos desconfortos da roupa.
- Filho, entenda uma coisa: literalmente, você não está morrendo...
Outras crianças, duas meninas, seguiam pela trilha. A menor e mais magra já não tinha mais calorias para gastar e já ensaiava reclamar quando o guia parou diante de um exemplar da flora:
- Esta árvore daqui, a jaracatiá, era conhecida dos indígenas, que utilizavam a parte mole do caule como cicatrizante. A casca recortada à faca é recolocada após a extração e com o tempo o tronco cicatriza-se. Essa árvore é conhecida como mamão de veado e as mulheres da região fazem doce ou recheio de bombom.
Interessante a história, o que valeria meu empenho para depois comprar o doce. O caule ralado lembra doce de mamão verde que é feito no interior de Minas Gerais. Mas o doce de leite com rapadura feito nas fazendas de Mato Grosso do Sul é para paladares nada exigentes.
Ao se apresentar a nós, o jovem guia recarregou energias levando vagarosamente à boca mais uma colherzinha cheia desse doce de leite, de cor queimada, espalhado num pratinho azul transparante. Falava e comia. Comia e falava, como se o doce fosse bom, muito bom.
Antes da morte literal de Gabriel, chegamos ao rio. Na verdade um afluente do Rio da Prata, que é chamado Olho d'Água. Esse, sim, é o trecho mais límpido do Reino das Águas Claras. O menino abandonou todos os senões e todas as reclamações ao afundar os cabelos loiros nas águas.
Um mundo em outro tempo, em outro ritmo abriu-se aos seus olhos. Sabe o significado de embasbacar? Peixes dourados, totalmente pretos, pintados, enormes, muito pequenos, menores ainda olhavam-nos com curiosidade recíproca. Passamos por cardumes, dourados com dentes pontiagudos expostos perseguindo peixes menores num leito de areia clara, plantas aquáticas, pedras, um mundo submarino doce.
Quase uma hora flutuando naquele aquário gigante, mágico, inesquecível. Sob a água um silêncio, um equilíbrio, uma paz. Quem me dera ser um peixe... E a ausência completa de reclamação das crianças comprovava a minha tese de que estávamos mergulhados em meio a uma beleza divina. Bonito, bonito mesmo!
Bonito, bonito conto, bonito mesmo! abraços
ResponderExcluirQue maravilha Rovênia.
ResponderExcluirSó de ler já senti as boas energias.
Lido demais este reino das Águas Claras!
Seja-bem vinda de volta!
Beijos!
Lindo conto e deve ser lindo mesmo. Essa sensação, maravilhosa! beijos praianos,chica
ResponderExcluirE ao encontrar o paraíso o garoto achou que estava no céu... Posso confessar um segredo? Sou muito urbana e só alcançaria o paraíso se estivesse em um carro!!!
ResponderExcluirBonito demais,Rovenia!A natureza num belo passeio!bjs e boa semana,
ResponderExcluirSem armas, sem lutas, sem rumo.
ResponderExcluirQue emoção!!!
Obrigada!
Feliz por ter voltado.
Beijão
Gabriel Gabriel, com nome de anjo deve ter preferência por nuvens macias e nessas águas comportou-se como se fosse feito de papel
ResponderExcluirMas mesmo com reclamação e aperto, garanto que deve orgulhar-se de seu feito.
E ter gostado.
Não mais que alguém que gostou mesmo, mesmo e contou de um jeito muito legal e encantado tudo que foi vivenciado.
Eu, adorei ler!
Bom te ter de volta :)
"Lá no reino das águas claras
Mágico mundo de jóias raras
Meu passeio mais bonito
Tantos cardumes, que maravilha
Dançando juntos como quadrilha
Onde as cores não tem fim
Todos os seres em harmonia
Tudo transborda alegria"
Jorge Versilo
Gabriel, águas claras e brunas nos surpreenderam ao curtir o mundo natural de Bonito até mais do que o mundo fantasioso de Walt Disney. Isso nos mostrou que temos alternativas bem mais próximas, baratas e naturais ao mundo consumista do tio Sam.
ResponderExcluirMeu Deus! Me leva pra lá! Agora! Quero ficar pra sempre! hehehehe
ResponderExcluirOi Ro, que bom ter você de volta. :))A natureza é inspiradora! Lindo!!!Beijos
ResponderExcluirBom estar contigo ...
ResponderExcluire bonito muito bonito a vida dentro do poema _ e em águas límpidas .
bem vinda Rovênia
Estou literalmente de boca aberta com teu relato!
ResponderExcluirMe deu uma vontadona de fazer uma viagem assim! Delícia!
"Bonito, bonito mesmo" esse seu conto que nos leva por trilhas verdejantes que desembocam no rio de águas claras. É inspirador e atiça a nossa vontade de seguir o mesmo caminho.
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