Crédito: Pedro Ferreira |
A palavra “off” persegue os jornalistas. Às vezes para se
contar uma boa história, ou relatar um fato que ninguém quer assumir,
conquistamos as fontes e seus “offs”. A gente aprende, a contragosto, a
respeitar. Uma vez descumpri o prometido, mas vocês vão entender. O momento era
raro e a informação única.
O ano era 2001 e entrei de penetra no apartamento da
Avenida Atlântica, de Oscar Niemeyer. Gravador ligado na bolsa, um bloquinho de
papel (naquela época não usávamos tablet e laptop) e uma caneta qualquer,
sentei no sofá ao lado do deputado que seria recebido pelo arquiteto. Estava
combinado que me passaria por uma assessora do político.
Antes de Niemeyer chegar, a passos lentos, e sentar-se
numa cadeira na nossa frente, tive tempo de me encantar com as curvas do Pão de
Açúcar, vista privilegiada da ampla janela do arquiteto. Nas paredes, alguns
croquis protegidos por vidros, num ambiente austero, em preto e branco.
Estava tudo correndo bem. Anotava cada palavra, nem
piscava de tão empolgada. Niemeyer é avesso a jornalistas e eu tinha a noção
exata da importância do momento e daquela reportagem que seria publicada no dia
seguinte.
Num instante qualquer, ele parou de falar, olhou de
soslaio para aquela pessoa miúda que não conseguiu passar despercebida:
- Quem é você?
Quanta coisa passa na nossa cabeça numa hora dessas.
Contava a verdade? Mentia? Quem me conhece, já sabe de antemão o que respondi:
- Sou jornalista e
vim a convite do deputado.
Ele pareceu contentar-se. Eu me senti, enfim,
aliviadíssima. Pronta, poderia fazer minhas perguntas. Comecei por desabar o
meu encanto mineiro por Brasília. Meus olhos devem ter brilhado porque
realmente sou apaixonada por essa cidade que resume ideais humanistas. Agradeci
pela qualidade de vida que ele e Lucio Costa nos deixaram. Ele escutou, só
escutou. Disse apenas que se entristecia de ver aqueles carros enfileirados ao
redor do Congresso Nacional. Segundo ele, uma das coisas mais feias em
Brasília.
Depois, comecei a trabalhar. Estava ali para arrancar uma
frase do arquiteto contra o governador Joaquim Roriz. Queria uma crítica sobre,
eu acho, a Ponte JK, obra faraônica. Saí de lá sem a frase. Astuto, ele fez o
contrário: um elogio ao governador que prometera concluir as obras do Eixo
Monumental de Brasília – a biblioteca e o museu na Praça da República.
Bom,
mas de qualquer jeito já tinha a matéria: a história dos carros enfileirados
nas proximidades do Congresso Nacional. Resultado de muitos carros, poucas
vagas. Num dos últimos instantes, ele me chamou para acompanhá-lo a um canto do
escritório. Retirou um livro da estante, perguntou meu nome, escreveu a
dedicatória e entregou-me. “Para Rovênia, certeza neste Oscar Niemeyer”.
Terminei
agora há pouco de relê-lo: “Minha Arquitetura – Oscar Niemeyer”, da Editora
Revan , edição de 2000. Nesse livro, ele descreve as suas principais obras em
Brasília e pelo mundo e revela seus sentimentos e sua integridade, passagens da
sua vida e de figuras históricas como Lucio Costa, Le Corbusier, Juscelino e
Marechal Lott (conto em outra
oportunidade, ok?)
Estava
toda feliz, já na despedida, quando ele calmamente ordena:
-
Só não autorizo que você publique nada que falamos aqui.
Ao
reler o livro que ele me presenteou, tenho certeza de que fiz absolutamente o
certo em não obedecer. Segue o trecho:
“(...)
Ali aprendi uma lição. Às vezes, é preciso dizer não. E, mesmo quando isso nos
traz prejuízos no momento, pode nos trazer benefício no futuro. Não fosse
aquele “não”, Capanema não teria se aproximado de mim, nem eu teria projetado
Pampulha e Brasília.”
(*)
Ganhei folga nesta sexta-feira. Até segunda-feira. Deixo vocês com um vídeo belíssimo sobre
Niemeyer: “A vida é um sopro”.
Muito bom Rovênia,
ResponderExcluirsou fã incondicional de jornalista e de seus truques pra conseguir uma boa matéria_ se for verdade que voltamos rs vou ser jornalista na próxima vinda rs
Oscar Niemeyer é fantástico, que vida incrível!
parabéns e abraços
Rovênia, como fã número um do Oscar Niemeyer, achei espetacular essa sua postagem. Você tem bastante coisas interessantes para contar para a gente e aprender vida com o Niemeyer é um destaque para mim.
ResponderExcluirGrande abraço
Manoel
[risos...]
ResponderExcluir"a vida é um sopro"...
Sensacional, Rovênia! Amei a história... Parabéns de todo o coração...
ResponderExcluirMuito bom!!!
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