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Vamos aprender com Monteiro Lobato?




Ufa! A semana foi puxada, mas terminei agora há pouco de ler Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Assim que recomeçou a polêmica sobre a existência de racismo nesse clássico da literatura infantil, não resisti. Entrei na internet, na Estante Virtual, e fiz a encomenda. Li Monteiro Lobato quando era menina, adorava o mundo do Sítio do Picapau Amarelo da TV Globo, mas seria, com certeza, uma redescoberta.

E foi... Monteiro Lobato é genial. E, como jornalista, tenho absoluta certeza de que a maioria dos meus colegas não teve a ideia básica de ler Caçadas de Pedrinho antes de colaborar com essa polêmica absurda. Não vi preconceito e discriminação nas duas histórias de caçadas que aparecem no livro: a da onça-pintada e a do rinoceronte.

Vamos, então, a alguns dos infinitos motivos para que todas as crianças tenham o direito de ler essa obra, que faz parte do acervo de literatura enviado pelo Ministério da Educação às escolas públicas de todo o Brasil:

Motivo 1 - Lobato adorava as palavras e preocupa-se em escrevê-las corretamente. O dicionário, de A a Z, foi um livro que fez questão de ler para descobrir e anotar palavras que, depois, utilizaria em seus livros. Então, anote aí, algumas que achei no livro e tive que recorrer ao dicionário para saber o significado.

a) Impertérrito -  impávido, que não tem medo
b )repimpar – encher-se, fartar-se
c) abespinhar-se – ficar zangado ou amuado
d) rábula – trapaceiro, mau advogado


Não é uma forma de estimular alunos a fazerem o mesmo, ou seja, a descobrirem a beleza de um dicionário?

 Motivo 2 -  O livro chama a atenção para um problema comum no início do século XX e que ainda resiste nos dias de hoje: a caça aos animais selvagens. Pedrinho e a turma matam a onça-pintada, de forma cruel, como verdadeiros caçadores. Mas a lição moral vem, em seguida, com a revolta dos bichos da Mata da Taquaruçus, no sítio. A bicharada selvagem não aceita a morte da onça, que tinha família, e resolve atacar a casa de Dona Benta. Acontece o mesmo com a história do rinoceronte fugido de um circo que chega ao Rio de Janeiro e vai parar no sítio. Se no início a turma quer caçá-lo, desiste ao descobrir que é um bicho manso, cansado da vida cruel do cativeiro no circo.


Até há pouco tempo, os circos que chegavam a Brasília exibiam bichos. Lembram da polêmica e da proibição imposta  pelas autoridades do governo que impediram o espetáculo?

Motivo 3 -  Lobato valoriza nossa cultura, nossas plantas. Lê-lo é descobrir um pouco das nossas frutas e das nossas plantas.  Pé de grumixama? Folhas de embaúba? Cacho de brejaúvas?

Não sabe? Desta vez, faça como o Lobato e procure no dicionário, ok?


Motivo 4 -  O autor incentiva o espírito crítico ao incluir na história do rinocerante a morosidade, a ineficiência dos serviços públicos do governo, além de destacar o excesso de funcionários e altos salários.

Senso crítico e alunos antenados com a realidade devem fazer parte das lições de escola, não?

Motivo 5 -  Lobato é criativo. “Meninos daninhos” é ótimo, não? Assim como “o onço” e os besouros que falavam “gemeamente”, por serem gêmeos. Um dizia as palavras pares e o outro as palavras ímpares...

Meu Deus, que ideia genial! É uma ótima sugestão para as minhas filhas Clara e a Bruna, que são gêmeas, e vivem brigando para falar antes da outra.

Motivo 6 -  Não enxerguei nada de racismo e preconceito. Talvez a passagem mais polêmica seja: “Não vai escapar ninguém – nem Tia Nastácia, que tem carne preta.”

Sejamos sensatos e nos atentamos aos fatos:  Tia Nastácia é negra e será comida pelos bichos. Racismo existiria se ela não fosse devorada. Lembrem-se que o Brasil do início dessa época era, sim, ainda mais racista. Lobato descreve a realidade da nossa sociedade desse tempo e, mais uma vez, sai como vanguardista de um tema polêmico. Taxá-lo de racista? Será que não era justamente o contrário?

Motivo 7 -  Lobato fala das tecnologias, da modernização do mundo. As histórias se passam na época do telegrama, quando o telefone ainda era novidade.

A obra marca essa transição nos meios de comunicação. Pode ser utilizado como fonte de pesquisa pelos professores, que ainda devem lembrar que as histórias de Lobato foram adaptadas para séries na televisão. Hoje, o Mundo do Sítio pode ser acessado na internet pelas crianças, em versão atualizada que traz interatividade.

Motivo 8 -  Próxima semana chegaremos em outubro, mês das Crianças. O livro Caçadas de Pedrinho é uma boa opção de presente.

Ainda mais porque Lobato faz o que muitos pais modernos, antenados com o certo e o correto nos dias de hoje, ainda não aprenderam: a ouvir seus filhos e a brincar com eles.  No final da história, Dona Benta quer voltar a se“escarrapar” dentro do carrinho de madeira, que é puxado pelo rinoceronte manso. Mas se depara com Tia Nastácia lá, se divertindo:

 “- Negro também é gente, Sinhá...”




 

Então reflitam: preconceito ou racismo?

Vamos deixar que o próprio autor responda?

“Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens”, frase da capivara em resposta ao macaco bugio, durante a assembleia da bicharada para atacar o sítio de Dona Benta.

3 comentários:

  1. Muito bacana a ideia Rovênia! Adorei o texto e os argumentos!

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  2. Pois, é, não quero polemizar, mas alguns 'a toas' do MEC ficam procurando cabelo em ovo.

    Também adoro o Lobato, tenho uma coleção completa dele. Olha que coincidência, ontem postei na aba 'homenagem da vez' um texto de um livro dele. Adorável a forma dele contar história.

    Abç!

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