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Qual o nome dela?

Não adianta a gente fugir, não é? Se a onça está escondida, a danada vai aparecer. O susto pode ser tão grande de derramar todo o leite...
Ilustração: Virgínia Caldas
A história não é bem essa, mas neste sábado, às 14h, no teatro da Livraria Cultura, no Shopping CasaPark,em Brasília, vou recontar duas histórias contadas pela Menininha. 

Aliás, perguntaram-me qual era o nome da Menininha. Não respondi porque acho que a graça é ler as histórias para descobrir. 

Depois vou receber os amigos para uma sessão de autógrafo. Espero que o livro infantil, o primeiro que invento, seja um pozinho mágico que desperte o gosto pela leitura na nova geração. 

O tempo das crianças pode ser outro, mais conectado e tal, mas a magia de ouvir histórias não pode morrer. Cabe a nós estimularmos o gosto pela leitura e pelo escrever. 

Depois conto como foi, se teve onça e mais susto! Mas o legal será encontrar vocês lá para escrevermos juntos o final.


* O caderno da Menininha está à venda no site da Livraria Cultura. Custa R$ 34,90.  





A verdade rosa


O que é o jornalismo senão a verdade mais falseada! É o ponto de vista de quem escreve e a junção de outras observações das fontes consultadas. Não há imparcialidade e flores rosas nisso. É subjetivismo no papel escondido sob o argumento de que a notícia é objetiva. Eu, afirmo, que posso convencê-lo submetendo-o às minhas impressões. 

A origem do conhecimento, da verdade, inquieta o homem há tempos. Kant dizia que uma das três perguntas mais importantes que o homem poderia fazer a si mesmo era 'o que posso saber?'

Não desconsideremos, pois, que os preconceitos e os dogmas estão, por exemplo, entre as forças que cegam-nos, não nos deixam enxergar as coisas como são. 

Estaríamos todos livres dessas forças?

Por isso, Karl Popper defende que "[...] na busca da realidade, talvez seja melhor começar pela crítica de nossas crenças mais enraizadas. Tal procedimento poderá parecer um plano perverso, mas não para aqueles que não temem a verdade e desejam descobri-la". 



Ignorância infinita

Girl in the Kitchen - Anna Ancher
"[... ] nosso conhecimento só pode ser finito, mas nossa ignorância deve necessariamente ser infinita."  (Karl Popper)

Conhecer é opinar? Segundo Xenófanes, conhecimento é exatamente isso: conjectura. Escrevo isso porque não há quem me convença da objetividade deste mundo. Posso estar errada, mas até agora não recebi provas disso. 

Há quem critique meu radicalismo, mas até isso pode ser uma impressão distorcida, um subjetivismo meu e de quem me critica. Adoro as críticas, acreditem! É minha verdade, minha opinião sendo checada! E se ela é criticada e sobrevive é porque tem alguma essência.  

Mas a minha opinião só dá a dimensão dos meus limites, da minha ignorância. A verdade, como a opinião, tem prazo de validade. E é assim que avançamos.




O poetizar de Xenófanes:



"Os deuses não nos revelaram desde o princípio
Todas as coisas; mas, com o tempo,
Se buscarmos poderemos aprender, conhecê-las melhor.
A verdade certa, contudo, ninguém jamais a conheceu
Nem a conhecerá: a dos deuses
Ou a de todas as outras coisas.
Mesmo se por acaso alguém pronunciasse o nome
Da verdade última, não poderia reconhecê-la
Nessa rede tecida com opiniões". 

Aprender a ver


"... é impossível pensar em algo que não tenhamos anteriormente sentido, através de nossos sentidos interiores ou exteriores".  
(David Hume)


O que eu posso ensinar... Posso te aconselhar a ser um observador. É pelo olhar diferenciado que surgem a criatividade, a originalidade, a descoberta. Se a criança não aprende a observar, não aprende a desconfiar, a duvidar e a colecionar os seus aprendizados. Não crescerá, ainda que cresça. Por isso, uma educação que adestra não nos serve. A educação deve ser emancipadora. 

Assim, ao olhar a luz duvide que ela tenha luz própria. Ao admirar as estrelas para desenhá-las apare os seus vértices. Experimente desenhá-las redondas como se fossem sóis. Quem sabe, assim, você acerta ... 

Se eu pudesse escolher um personagem de livro, queria ser a Pequena Princesa, que vivia sozinha num planeta pequenino com vulcões e uma rosa ciumenta. Se essa história não é bem assim? Que me importa se você não acredita! O Pequeno Príncipe desenhou um elefante e todos acharam que era um chapéu. E não era chapéu. Era elefante. Então quem pode me desdizer? Ao lado do planetinha, existia um outro: o da Pequena Princesa, não sabe?

É preciso observar para ver. Quem vê e não observa, de fato viu o quê?  Viu o nada que servirá. Quem observa vê a mais, descobre uma verdade. Desde que somos crianças contam-nos histórias, depois as lemos em livros, em jornais, na internet, mas as mais verdadeiras são as que nós vivenciamos. São as nossas descobertas, a nossa empírica ciência. 

Afinal, pequenas observações não existem. Não existem porque as pequenas observações são sempre enormes. Enormes como os elefantes que voam!

Fora das linhas!


Do facebook
Oiê! 

Já repararam como mal a gente nasce e já nos cercam de cuidados? Não pode isso, não pode aquilo. 

É tudo perigoso! É tanto não pode que eu me sinto um prisioneiro numa página sem cor.

Se eu conseguisse sair daqui, desses cercadinhos que me prendem ...

Upaaa! Poderia me divertir e até escrever uma história fora das linhas...









* Que o fim de semana seja divertido, né?



Bem-vindos!

Falta pouco e estou um tanto nervosa. Embora muitos que me conhecem não acreditem, sou tímida, tímida. Aprendi a lidar com a inibição, mas por dentro só eu sei... 



Então, no sábado, 1º de fevereiro, vou poder abrir o livro e contar uma das histórias do caderno da Menininha para as crianças e os adultos que ainda têm paciência para entrar nesse mundo da fantasia. Qual aventura escolher? São dez... 

Quem puder e quiser aparecer, me deixará feliz!

As dúvidas de Eleanor


Dom Quixote por Cândido Portinari
Karl Marx era um sujeito polêmico, dialético em si mesmo. Mas era um pai inspirador. Ao contrário de muitos homens de sua geração, ele tratava os filhos como futuros adultos inteligentes. Lia para as filhas - o único filho morreu de tuberculose - a íntegra dos textos de Homero, Shakespeare, o Anel dos Nibelungos, Dom Quixote, As mil e uma noites, etc. 

Eleanor, uma das suas filhas, ganhou de presente no sexto aniversário seu primeiro romance, Peter Simple¹, que não tardou a ser seguido pelas obras completas de Marryat, Cooper e Walter Scott. 

Assuntos que seriam tabus em outras famílias vitorianas de classe média, o ateísmo e o socialismo eram permitidos na casa dos Marx. Depois de assistir à missa cantada numa igreja católica romana, Eleanor, com 5 anos, disse ao pai ter dúvidas religiosas. 

O pai "ajeitou", elucidando pacientemente a história do carpinteiro que os ricos haviam matado. "Podemos perdoar muitas coisas no cristianismo", disse-lhe Marx, "porque ele nos ensinou a adorar as crianças."

(WHEEN, Francis. Karl Marx. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.201). [Trad. bras.: Vera Ribeiro]

A seguir, o início do primeiro capítulo de Peter Simple, lido pela pequena Eleanor aos seis anos:

¹ "Se eu não posso narrar uma vida de aventuras e façanhas ousadas, felizmente eu não tenho crimes pesados ​​para confessar; e, se eu não subir na estimativa do leitor por atos de bravura e devoção pela causa de meu país, pelo menos eu posso reclamar o mérito por uma continuidade zelosa e perseverante na minha vocação. Nós somos todos de uma diversidade presenteada do Céu, e aquele que se contenta em andar, em vez de correr, em seu caminho atribuído pela vida, embora não possa tão rapidamente alcançar a meta, tem a vantagem de não perder o ar na chegada. Não que eu queira inferir que a minha vida não tenha sido uma aventura. Eu só quero dizer que, em tudo o que ocorreu, eu tenho sido um passivo, ao invés de um ativo, personagem, e, se os eventos de interesse devem ser registrados, eles certamente não foram procurados por mim." (Tradução minha)


Pé no chão!

Foto: Letícia Verdi
Daqui a pouco o segredo acaba e mostro o rostinho do filhote. Enquanto isso deixo por aqui algumas pinceladas. A entrevista abaixo foi feita a pedido da editora para divulgação. Nada mais justo que deixasse vocês lerem primeiro. Assim, descobrem um pouco mais sobre as linhas que virão. 


Quando surgiu a ideia de tornar-se escritora?
Todos nós podemos ser escritores. Somos donos de histórias, mas ter um livro publicado não é sinônimo de ser escritor. A minha preocupação é escrever mais e cada vez melhor. Pode ser que algum dia queira ser escritora ou me vejam como uma. Por enquanto, sou aprendiz do que leio, do que vejo, do que sinto.

A história que você conta no livro foi a sua primeira ideia de enredo?
Quando a gente se torna mãe, as histórias infantis pedem para nascer. Sou mãe de gêmeas e, cada noite, dominada pelo cansaço, em vez de ler achei mais fácil inventar aventuras. O Caderno da Menininha traz um pouco da minha infância para satisfazer a curiosidade das minhas menininhas. Que criança não tem curiosidade em descobrir como era a mãe na idade de menina?  

Qual foi a pior parte no processo de edição/criação do seu livro?
Não teve a pior parte. Cada dia era uma surpresa. Costumo dizer que nunca sei o final das próprias histórias que invento. E é verdade!  Elas têm vida própria. São as palavras que me ditam o enredo. Talvez a pior parte seja receber as críticas que virão.  Terei de ser sábia para saber ouvir as opiniões desfavoráveis. São as melhores.  

E qual a melhor?
A melhor parte foi descobrir o rostinho da Menininha, a cor do seu cabelo, se seria liso ou encaracolado, as roupinhas divertidas. Invenções da ilustradora Virgínia Caldas, que soube traçar humor e graça. Foi uma parceira e tanto. Outro presente veio do escritor gaúcho Sergio Napp, que faz a apresentação da contracapa.  Aos dois, curvo-me em reverência. 

Algum personagem é inspirado em alguém que você conheça?
Humm... acho que já respondi! Estou e não estou no livro. Uma parte sou eu, uma parte é invenção. E nisso está a graça, porque nem eu mesma sei o que foi verdade e o que foi invenção da cabeça da Menininha.

Quando surgiu o seu gosto por leitura?
Os primeiros adjetivos que utilizei nas “composições” de escola eram ornamentos que a minha mãe me presenteava. Ela tinha um prazer imenso em se espichar no sofá da sala e passar horas lá lendo.  Foi minha musa inspiradora. Depois aprendi a gostar de passear pelas prateleiras de livros das bibliotecas. Tinha um cheiro bom, um cheiro de conhecimento doidinho para ser descoberto. Era só abrir as páginas...

Quais são os seus autores preferidos?
Uma pergunta difícil, não é? Gosto de tantos, mas prefiro aqueles que não conheço e que me darão a sensação, na última página do livro, de ter me tornado um tanto órfã.

O que você mais gosta de fazer nos momentos de lazer?
Ler, ler e ler.

Um sonho:
Que a leitura não seja privilégio no Brasil. Infelizmente ainda é.

Uma palavra:
Educação.

O que mais gosto é?
De ler e escrever. E vice-versa.

O que mais odeio é?
Aquele tempo de espera forçado, com senha na mão, e não estar com um livro de papel ou digital na bolsa.  É o tempo desperdiçado.

Deixe uma mensagem para os leitores.

Quem lê vai aprender a escrever e a gostar de ler e de escrever. É uma ordem cíclica.  A Menininha, por exemplo, carregava um caderninho na mochila e anotava ali a poesia da sua infância. Que inspire outras menininhas a voarem...

Portas abertas

Porta pintada pelo artista argentino Marcos Milewski:
Projeto Artes Portas abertas - Ilha da Madeira (Portugal)
Há portas invisíveis que se abrem. Embora abertas, elas não nos deixam brecha para espiar o que vem lá. A gente bem que tenta adivinhar um pedacinho do futuro, mas não é nunca possível. Fica a hesitação abraçada a nós, impedindo-nos os passos. 

A única certeza que tive até hoje é de que todas as portas que abri e entrei, hesitante ou não, trouxeram-me uma boa caminhada. Se pudesse dar um conselho a mim mesma seria o de não ficar nunca parada diante dessas portas: atravesse ou fecha-as, mas não hesite no tempo. Afinal, se a porta se abre é porque você chegou até ela. Há um equilíbrio que nos impele ao acerto. 

Mas se eu pudesse tornar visível uma porta, seria aquela que permitisse a todos acesso a um saber universal de qualidade e gratuito. 

"A escola comum para todos é a maior invenção humana de todos os tempos". 
(Horace Mann)


Bom fim de semana!

Histórias para contar

Ilustração: Virgínia Caldas
Lembram desta menininha que postei aqui um dia desses? Pois então, ela já ganhou um mundo colorido e tem histórias para contar. Falta pouco para ela chegar. Enquanto isso, deixo aqui a impressão do escritor gaúcho Sergio Napp sobre o que ela escreveu:

"Há uma menina que ouve histórias. De seu avô, de seus pais, da vida que se faz aos poucos, do mundo que se cria ao seu redor. Histórias de amoras, de assombrações, de pescarias, de bicicletas. São histórias simples, deliciosas e bem-humoradas. Histórias que dão asas aos olhos e sugam o aroma dos pães da infância. Há uma menina que conta essas histórias com o doce sabor da lembrança. E contando, enfeita o mundo de outras meninas. E contando, faz com que a vida se torne mais rara. E contando, abre caminhos, espreita as manhãs. E consegue, mesmo através de janelas fechadas, deliciar-se com o azul dos horizontes. E por mais que as chuvas se façam e por mais que os frios nos encolham, essas histórias sempre acabam por nos devolver o sol. Um sol imenso feito de tardes onde a poesia se refugia em palavras que nos levam de volta às esquinas do coração. E porque há tantas palavras adocicadas, há meninas contando histórias para outras meninas, que as contarão para outras meninas, numa repetição que as encante e as ensine a viver.” 




Nova história

Há momentos na vida que ficamos tão felizes que queremos dividir. Não me interessa o que as pessoas vão pensar da minha alegria exagerada. É justamente por isso que quero dividi-la, por transbordar. Sabe aquela sensação boa, de ter valido a pena ter acordado antes do dia, de ter aguentado cara feia, de ter revirado os cadernos para certificar se o dever havia mesmo sido feito? 

Acho que sou dessas mães exageradas. Fui capaz de ler o livro antes só para depois fazer perguntas; ia para o trabalho e deixava questionário para a prova. Na volta corrigia, explicava, tirava as dúvidas. No dia do teste, a carona até o colégio vinha com perguntas extras, o tira-dúvidas de última hora. 

Ajudei em pesquisas, até errei em fazer algumas por ele, briguei com professores, exigi correção das correções equivocadas, fiz cara feia todas as vezes em que ele foi de chinelo para a escola e naquele dia em que dormiu parte da tarde sobre os livros, de puro cansaço. 

Quantas borrachas, lapiseiras, calculadoras tive de comprar dia sim, dia não. Perdia tudo! Até livros didáticos ...  Quantas vezes sentei-me, exausta após o trabalho, na sua cama e ficamos até tarde lendo e relendo páginas. Sabia de cor os dias das provas, da entrega dos trabalhos para não deixá-lo esquecer. Era apenas uma garantia exagerada. 

Corri atrás de aulas de reforço, insisti para que concluísse o curso de inglês para no fim ficar assim, boba de alegria. E quanto mais eu me irritava, mais você se acalmava. Esse seu equilíbrio e essa sua generosidade são seus maiores encantos . Bem inspirado o apelido de Pequeno Buda que te deram um dia.

Parabéns, Matheus, pelas duas aprovações. Sua vitória é um pouco minha, mas agora deixo-o seguir sozinho a sua própria história. Daqui a pouco, saberás bem mais do que eu. Sinto-me exageradamente orgulhosa pelo novo mundo que tens a conquistar! 

Traços de vida

Internet
Olho-me no espelho e reparo em mim. Gosto das ruguinhas que vão aparecendo. Cada uma marca uma alegria vivida, uma dificuldade vencida.  Espremo a bisnaga para extrair a base líquida e enquanto espalho o produto pelo rosto, vou pensando que não quero apagar as linhas que vivi. Não seria verdadeiramente eu diante do espelho, diante dos outros. Seria vaidade demais. 

E acho tão lindas as senhoras idosas com sua vida bem vivida, acumuladas em linhas que se curvam a cada sorriso ao nos contar o que já viveram! E acho lindos os senhores idosos que aprenderam a dominar a pressa, a ira e mantêm-se jovens de alma, equilibrando-se curvados sobre uma bengala! Tenham paciência para ouvi-los. São tão ricos em sabedoria!

Pego a maquiagem e o pincel para dar um tom rosado e mais vivo na pele desbotada. Vou pensando que somos o resultado de nós mesmos. A felicidade começa na infância. Se foi vivida com amor, você será capaz de espalhar cores pela vida que seguirá. 

Quem não teve a terra afofada nos pés, precisará de ajuda, de encontrar carinho nos seus passos para conseguir vencer a si mesmo. Por isso, não negue amor, abraço, sorriso, ajuda a uma criança. Está na infância a base para um mundo mais feliz.  


* Bom fim de semana!



Nobre ascensão

Estava a pouco pensando que os problemas das tantas desigualdades neste país se resumem em educação. E e a solução (para tantas desigualdades) resume-se em idem, ou seja, nela própria: educação

E colhi essa preciosidade para deixar aqui um registro desses espíritos que sonham belamente uma sociedade melhor e, por isso, são clássicos e eternos: 

"[...] quando vejo animais nascidos livres, e abominando o cativeiro, quebrar a cabeça contra as grades da prisão; quando vejo multidões de selvagens completamente nus desprezar as voluptuosidades europeis, e arrostar a fome, o fogo, o ferro e a morte, para não conservar senão a sua independência, sinto que não compete a escravos raciocinar sobre a liberdade." 
(Rousseau - Discurso sobre a origem da desigualdade)

Em síntese, o homem que não se educa, verdadeiramente não é livre. Não percebe sequer a condição da sua própria escravidão. E o homem que não permite ao outro se educar é o carrasco. O dominador que um dia viverá em um país de excluídos do saber. E padecerá. Que nobreza há nisso?

Sem riso, sem sátira

Pinterest
Em 1967, eu não tinha nascido, o homem tentava chegar à lua e o Brasil seguia no obscurantismo de governo, tendo como presidente o marechal Artur da Costa e Silva. Viro as páginas amareladas pelo tempo, que guardam o cheiro das leituras passadas, com o mesmo cuidado de quem embala um recém-nascido. A cada página que leio um sonho, deixo um papelzinho para marcar. Num instante, são vários os papeizinhos, uma sequência para voltar, reler, pensar e utilizar em trabalhos acadêmicos.

Como não se sensibilizar com esse educador que desde a década de 1930 juntou-se aos maiores intelectuais do Brasil para lutar por uma educação universal e de qualidade? Os avanços sofridos que temos hoje na educação não são suficientes para transpor o nosso atraso histórico. É preciso correr mais rápido, é preciso fazer muito mais. Uma elite egoísta que reconhecia nos livros a riqueza que eles proporcionam decidiu não dividi-la com a massa de brasileiros. Supunham eles que não seria necessária uma população educada; o saber bastaria a eles, a classe dominante, os donos do poder.

Anísio Teixeira é o autor do livro, edição de 1967, que comprei por R$ 65 em um sebo. Tem 157 páginas, cada uma delas guarda a sensibilidade de quem sabia a importância de multiplicar o saber, torná-lo riqueza de todos nós. Hoje, quase meia década depois, todo o país, inclusive a elite, paga caro pela ignorância ensinada nas nossas escolas. Priorizamos o ensino superior, onde só a elite chegava, enquanto a escola primária era desvalorizada cruel e propositalmente.

Poderia dizer mais e mais, mas vou copiar um trecho desse educador que traduzia a educação como "não privilégio":

"Bem sei que não é só a escola primária fantasma, que esse regime criou, a causa da mentalidade do nosso país, mas é triste saber que, além de todas as outras causas da nossa singular incongruência nacional, existe esta, que não é das menores, a própria escola, a qual, instituída para formar essa mentalidade, ajuda, pelo contrário, a sua deformação. Os brasileiros depois de trinta são todos filhos da improvisação educacional que não só liquidou a escola primária, como invadiu os arraiais do ensino secundário e superior e estendeu pelo país uma rede de ginásios e universidades, cuja falta de padrões e de seriedade atingiria as raias do ridículo, se não vivêssemos em época tão crítica e tão trágica, que os nossos olhos, cheios de apreensão e de susto, já não têm vigor para o riso ou a sátira".

* Bom fim de semana!