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Intuição real




Chega a alma, essa alma
 que repara na tristeza 
a me abraçar
Chega e me atira
essas palavras fritas
até me fazer sorrir

E chega o trem, esse trem
que corre pela vida
depressa, com pressa
que vejo pela janela 
com dó, com pó 
a amparar o sono
a embalar as cores
até me fazer acordar



Rovênia Amorim (26-07-2013)













* Para não perder o tempo do trem, volto dia 10!


Torço pelos três!



Acordei sem ideias, mas feliz da vida. Não devia, muitos não vão gostar, mas preciso justificar por que tenho toda a lógica desse nosso planeta Terra em ser torcedora de três times de futebol. 
Fotos: Google

Perto da casa verde da minha infância, havia dois campinhos: um de terra onde os meninos da vizinhança aprendiam a driblar a bola; e um gramado com arquibancada onde meu pai era atraído como ímã pelos jogadores pernas de pau do Mamoré. 

A torcida absurda por um time que quase sempre perdia encantou-me. O Mamoré ainda resiste, brilha na insistência e coaxa no fundo do poço da segunda divisão para avisar que o verdinho está vivo na minha memória. 


Sou mineira e não teria lógica alguma não torcer por um time que não fosse de Minas Gerais, uai! Tornei-me Galo na adolescência para contrariar o meu pai, que torcia pela raposa azul do Cruzeiro. Eu queria afrontá-lo na minha fase boba de rebeldia em que não podia isso, nem aquilo, muito menos isso de novo. Então que engolisse: sua única filha seria atleticana. E sou! E torci, sofri por anos e ganhamos, enfim, a Libertadores.


Há mais de uma década, tornei-me vascaína. Não houve como resistir ao cupido do Almirante. Pisei pela primeira vez num Maracanã lotado para o clássico Vasco e Flamengo, que ganhamos de virada. A melhor graça do Vasco é ganhar do Flamengo. É engraçado e bonito ver as torcidas rivais. 


E o Juninho, para a tristeza dos pernambucanos, é puramente Vasco, o primeiro time do Brasil a aceitar negros. Dono de uma história bonita, não teria como não me apaixonar e ter uma camisa oficial assinada no peito pelo Roberto Dinamite. 


Convenceram-se da minha lógica de ter três times no coração? 


Ah, quer saber como é torcer quando tem jogo do Vasco e Galo? Torço pelo empate!

A cor da alma

Foto: Rovênia Amorim
Quando esfria por aqui e os canteiros verdes começam a fingir que morrem, é sinal que a secura aproxima-se. 

As árvores tortas do cerrado estão desfolhadas e a tristeza só não invade a nossa alma porque o céu é sempre imenso e encantadoramente azul. 

E na cidade sem estações definidas, os homens enriqueceram os traçados urbanos com flora variada que nos abençoa com a primavera durante todo o ano. 

Em meio à sequidão que se agrava pela capital federal, os buquês rosas dos ipês estão no esplendor. Enfeita-nos a alma, alegra-nos os olhos, respiramos melhor. 

Há mais de uma década, quando me mudei para a casa onde moro, pintada com a cor do sol, meu pai veio-me visitar. Trouxe-me de presente uma muda de árvore que fez questão de plantar diante da nova casa. 

- É um ipê-amarelo para combinar com a sua nova casa!

Por anos aguardei ansiosa a muda transformar-se em árvore típica do nosso cerrado. Passava ano e nada de floração. 

Faz três anos que surgiu o primeiro cacho de flores, discreto, miúdo. Mas trouxe a revelação ao mostrar-se rosa. Enganaram meu pai, mas alegrei-me de qualquer jeito. A intenção de florir é o que vale, é o que ficará. 

Este ano, mais buquês surgiram, ainda não tão exuberantes quanto os que são admirados pela cidade. 

Mas tudo o que sei é que, a cada ano, mais florido o meu ipê está! Rosa deve ser a cor que combina com a minha alma. 
   

Alpendre conhecido

Fotos: Rovênia Amorim
Faz um tempo que entrei por acaso num restaurante na 406 Sul, chamado Alpendre. Atraiu-me a simpatia na simplicidade. Enquanto almoçava, li um texto naquele papel descartável sob o prato que substitui os forrinhos de tecido. 

"Houve um tempo em que as casas tinham alpendres e a televisão ainda não exercia poder absoluto sobre as famílias. Era dali que se observava a vida que caminhava mais lentamente do que agora. Eram também ali que à tarde contavam-se histórias, aconteciam os namoros. Eram salas de visitas com floreiras e samambaias. Lugar de contar casos enquanto se esperava pelo café..."

O texto levou-me à infância, às tardes das férias na casa de fazenda dos meus avós. Era realmente no alpendre onde nós crianças almoçávamos a comida feita no fogão à lenha, onde brincávamos com os gatos e cachorros mansos e cheios de pulga e onde eu abria os olhos maravilhada como os "causos" inventados pelo meu avó frágil e engraçado, cabelos brancos e bravo demais, mas só com os adultos.

A dona do restaurante é uma jovem, formada em nutrição, de lindos cabelos lisos e bem pretos. Perguntei-lhe de quem era aquele texto. A resposta foi uma decepção:

- Achei procurando na internet. Não tinha autor...

Fui embora com aquela curiosidade latente na minha cabeça. Fiz como ela  disse e fui procurando por "alpendre" no Google. Achei o texto do papel na apresentação do blog da Ana Maria Vargas, uma mineira que escreve pouco no espaço virtual, mas escreve bem. Enviei-lhe um e-mail contando como achei o seu texto. Pedi-lhe autorização para contar aqui a história e o talento que esbarraram na minha curiosidade. 

Não sei o fim desta história, mas bem merecia terminar com cafezinho quentinho no alpendre e o merecido nome da blogueira Ana Maria sob o meu próximo almoço. 


História roubada

Imagem do Google
"Uma bela história ou um belo poema 
melhora nossa vida." 
Moacyr Scliar (1937/2011) 


Desconheço quem tenha assistido ao filme As Aventuras de Pi e não tenha saído do cinema encantado. O filme baseado no livro A Vida de Pi, do canadense Yann Martel, é um exemplo absurdo de plágio. 

O livro que deu origem ao filme mais premiado do Oscar 2013 é um plágio escancarado da obra Max e os Felinos, do escritor gaúcho Moacyr Scliar ou Max and Cats, na versão em inglês. 

O escritor brasileiro morreu antes de ver o sucesso do filme, mas soube do plágio e não quis processar o plagiador que chegou a declarar que havia se inspirado numa "boa ideia estragada por um mau escritor brasileiro". 

Mais que o plágio em si, essa declaração deixou Scliar chateado porque, segundo ele, mostra a "imaturidade emocional" do escritor canadense. 

Gentleman o nosso Scliar, não? O que vale a pena diante disso? Ler o original, Max e os Felinos, do médico e acadêmico Moacyr Scliar. 

Querem saber mais? Cliquem aqui



Perfeitas demais

Imagem do Google/É do autor das crônicas Elas a tese de que
os homens são capazes de se atirarem em penhascos,
caso as encantadoras mulheres assim desejarem.
Talvez se eu tivesse alma de poeta e mente de homem com H, de hipnotizado, seria capaz de descobrir o belo nas sutilezas femininas. Vinicius de Moraes enxergava esses poemas variados em toda parte, entregava-lhes uma rosa, um verso, uma rima cantada, um olhar admirado.

"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado 

Porque deve andar perto uma mulher..." (Vinicius de Moraes)

Só sei que nem nós mesmas seríamos capazes de nos explicar. Ser mulher é ser dona de toda e qualquer falta de nexo. Mas há nuances que só eles poderiam transformar em versos. Nuances que diante dos olhares deles são comparáveis a um universo sem fim, em expansão.É essa a fonte.

Todo esse descartável nariz de cera é para apresentar o livro Elas, de Moacir WillMondes. Ele que vagueia por esses monumentos concretos de Brasília, de traços sinuosos como as curvas femininas, criados por outro incansável admirador das mulheres: Oscar Niemeyer.

O Sr. Will arriscou juntar em livro suas crônicas postadas primeiramente no blog Entrelinhas. Deu uma espichada mais apimentada nos textos, recheando-as com pinceladas extraídas das suas muitas leituras. Como se os textos postados fossem uma preliminar.  


"Daí só me resta voltar aos acordes da canção para analisar toda a letra, me inebriar com tudo o mais que não foi possível ver na primeira olhada, é aí que leio as entrelinhas do desejo. Mas tudo com delicadeza, sem ser inconveniente, sem murchar a flor com o olhar, de soslaio, como os pássaros vadios a observar uma presa, olhando para um lado com um olho e com o outro para o lado oposto, tendo o bico em riste como prova da minha existência humana." (Supermercado - WillMondes)



No fim, como um filósofo que inventa teorias experimentadas nas observações cotidianas, ele abusou da diplomacia para agradá-las. Não houve exclusão. Como um matemático, incluiu as belezas das gordinhas, tímidas, desinibidas, fatais. Mulheres de cabelos multicoloridos, de todas as idades, casadas, solteiras, sonhadoras e imaginadas. Todas, sem exceção invadiram a sua imaginação. Mulheres encantadoras que inspiraram Will, assim como esse e mais esse ele.  

Ficou com vontade de ler? Então clique aqui e inebrie-se na paixão de quem é um inveterado admirador de todas Elas, é claro!

Como senti falta dos desenhos do Will no livro, empresto-lhe esta personagem da música. Espero que lhe sirva de inspiração para uma nova crônica!




Um ótimo fim de semana a todos!



Selvageria

Imagem do Google
Hoje acordei com vontade de ser levada pelo vento ao Mundo de Oz. Gostaria de pedir ao mágico que tudo sabe um cérebro para a imprensa brasileira. Fala-se tanto em ética na formação dos jornalistas, mas não é bem isso o que assisto no sofá de casa. 

Há uma regra no jornalismo, que é cumprida, de não divulgar casos de suicídio sob o argumento de que a exposição dos casos de morte voluntária incentivaria outros. Nenhum veículo quer correr o risco de ser responsabilizado por essas tragédias particulares. Então, cumpre-se a regra!

Por que mostrar as cenas de depredação de patrimônio público? Os vândalos querem justamento isso:  ver a destruição, fruto dos seus atos planejados, exposta em imagens que se repetem nos noticiários. Correm os fotógrafos e cinegrafistas para os pontos de tumulto como bobos que não pensam nas consequências. 

As cenas de vandalismo dão ibope, alimentam a nossa revolta e indignação, mas dão ânimo à desordem a ser ensaiada por novas hordas. Sugiro colocar uma imagem negra na nossa tevê com o protesto latente: Não mostraremos mais cenas de vandalismo. Vândalos não merecem destaque nos nossos noticiários!

Será que não surtiria mais efeito? Que adianta a quebradeira se as cenas não serão mostradas para chocar o país? Seria uma tentativa, pelo menos. 

Também não entendo a exposição gratuita de pobres inocentes acusados sem provas e depois inocentados. É preciso responsabilidade e não é a primeira vez que erros como esses são reproduzidos pela imprensa. A referência é para os quatro rapazes torturados no caso da adolescente Tayná, em Curitiba. Todos viram seus rostos porque as imagens foram destaque nas tevês e jornais. 

Dá ibope! Mas e agora? Já tiveram seus rostos gravados pela memória coletiva como culpados. A conclusão é que temos uma imprensa que não mede seus atos, uma polícia que ainda tortura para se mostrar eficiente e o culpado pelo crime, ou culpados, andando por aí. Qual a imagem do seu rosto?  

Queria pedir ao Mágico de Oz que voltasse o tempo para que a imprensa colocasse tarjas negras sobre os rostos desses acusados e inocentes. Não diz o nosso direito que todos são inocentes até que se prove a culpa?

A imprensa não pode atropelar a si própria. Cautela deveria ser o primeiro princípio da ética jornalística. Pensando bem, pediria um cérebro, um coração e coragem para a nossa imprensa. A mudança que o país ensaia precisa ser levada adiante com inteligência, amor à pátria e peito forte. Só assim acredito na retomada da ordem e do progresso a tremularem no alto do mastro. 

Frutinha da infância


A foto desfocada é de autoria da pressa, ok?
"As memórias são vivas e estão em eterna mudança. É claro que algo permanece a cada vez que nos lembramos, ou que nos esquecemos, mas, aos poucos, nossas marcas também se alteram e as recordações são reinventadas".

(Luis Vinicius do Nascimento/psicanalista)



A amiga que não foi amiga na infância começa a contar sobre uma frutinha alaranjada que se esconde na ramagem ao longo do muro da pousada. 

Dona de toda a curiosidade, eu quis saber mais e fui lá conferir. Era sim, a danada da frutinha da minha infância. 

Desde que cresci, nunca mais havia encontrado uma. Que fruta de cor mais linda! A amiga veio com o aviso pessimista:


- Mas eu comi e me arrependi!

- Como assim? Não era também a fruta da sua infância?

- Sim, mas descobri que o gosto não é tão bom! Era melhor ter ficado com o gosto da lembrança.

- Ah, não quero nem saber. Vou experimentar, sim!

Ela tinha toda a razão. As sementinhas vermelhas não têm o gosto bom que eu guardava na memória. Então, inventei uma desculpa:

- Não está com o gosto bom da infância porque deve estar pouco madura, ainda pequena... Vai ver que o solo encharcado daqui não é tão bom quanto o dos meus tempos de menina...

Não será essa frutinha danada, achada ao acaso só agora, que matará o gosto bom daquela que eu arrancava de fartura nos muros na minha infância!

Quem me salva?

Arquivo pessoal
Vi muitos bichos pelos campos de pastagem e restos de mata ciliar preservados: cotia, queixada, veado, tatu, jacaré, araras, ema, pássaros típicos e coloridos dos quais não sei o nome e até ele, um tamanduá-bandeira em toda a sua mansidão e majestade. 

Só não vi mesmo a onça-pintada do Pantanal, que a menina insistiu para comprar - um exemplar de pelúcia. 

Só em casa me dei conta que o bicho de mentira sabia cantar:

- Ai se eu te pego, ai se eu te pego ... 

E, agora, quem pode me salvar?


No Reino das Águas Claras


Arquivo pessoal
Ao cortar o verde que sobreviveu aos homens, é possível inventar conclusões. Assim, a relação entre reclamação e beleza é inversamente proporcional. Se não há reclamação, a beleza cala-nos. 

O menino loiro, com nome de anjo, é o quarto da fila dos dez alienígenas que seguem pela mata ciliar que margeia o Rio da Prata. São nove turistas mais o guia vestidos de mergulhadores para conhecer o Reino das Águas Claras. Terá vindo daqui a inspiração de Monteiro Lobato? 

O menino reclama da roupa que aperta o corpo. São dois quilômetros a vencer. Não está calor, mas o cheiro de mata parece infiltrar no neopreme, que começa a coçar na pele. Um veado-mateiro come tranquilamente à esquerda. 

- Ele já está acostumado com os turistas porque já aprenderam que não somos perigosos! Quem explica é um jovem guia que incorporou-se da calma do lugar para repetir o ofício com prazer de um calouro.  

Ainda pode-se ver um veado nas nossas matas em recuperação! Que privilégio! Antes já havia acompanhado a correria de um tatu cruzando a estrada de terra e se embrenhando pelo pasto. E como era rápido! Não sei por que imaginava que tatus fossem lentos como as tartarugas.  

Na trilha, o anjo Gabriel balança o corpo como um bêbado consciente do cansaço, já à beira do desespero:

- Mãe, você não está entendendo! Eu estou literalmente morrendo...

A mãe, bióloga encantada com os bichos e a natureza não se dava conta dos desconfortos da roupa. 

- Filho, entenda uma coisa: literalmente, você não está morrendo...

Outras crianças, duas meninas, seguiam pela trilha. A menor e mais magra já não tinha mais calorias para gastar e já ensaiava reclamar quando o guia parou diante de um exemplar da flora:

- Esta árvore daqui, a jaracatiá, era conhecida dos indígenas, que utilizavam a parte mole do caule como cicatrizante. A casca recortada à faca é recolocada após a extração e com o tempo o tronco cicatriza-se. Essa árvore é conhecida como mamão de veado e as mulheres da região fazem doce ou recheio de bombom. 

Interessante a história, o que valeria meu empenho para depois comprar o doce. O caule ralado lembra doce de mamão verde que é feito no interior de Minas Gerais. Mas o doce de leite com rapadura feito nas fazendas de Mato Grosso do Sul é para paladares nada exigentes. 

Ao se apresentar a nós, o jovem guia recarregou energias levando vagarosamente à boca mais uma colherzinha cheia desse doce de leite, de cor queimada, espalhado num pratinho azul transparante. Falava e comia. Comia e falava, como se o doce fosse bom, muito bom.

Antes da morte literal de Gabriel, chegamos ao rio. Na verdade um afluente do Rio da Prata, que é chamado Olho d'Água. Esse, sim, é o trecho mais límpido do Reino das Águas Claras. O menino abandonou todos os senões e todas as reclamações ao afundar os cabelos loiros nas águas. 

Um mundo em outro tempo, em outro ritmo abriu-se aos seus olhos. Sabe o significado de embasbacar? Peixes dourados, totalmente pretos, pintados, enormes, muito pequenos, menores ainda olhavam-nos com curiosidade recíproca. Passamos por cardumes, dourados com dentes pontiagudos expostos perseguindo peixes menores num leito de areia clara, plantas aquáticas, pedras, um mundo submarino doce. 

Quase uma hora flutuando naquele aquário gigante, mágico, inesquecível. Sob a água um silêncio, um equilíbrio, uma paz. Quem me dera ser um peixe... E a ausência completa de reclamação das crianças comprovava a minha tese de que estávamos mergulhados em meio a uma beleza divina. Bonito, bonito mesmo!