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Nova estação

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A pausa foi obrigatória. Diante do sinal vermelho, a senhora idosa vestida de um florido discreto sob a bênção de uma sombrinha azul em listras de tons, estendia a mão em passagem pelos carros. 

Pedia uma moeda, um olhar, uma misericórdia. Não tinha aparência de quem dormia na rua. Exibia cabelos brancos num dia sem vento e de tristes chuviscos. Escrevi a sua história: 

Ela viveria numa casa singela e honesta, filhos nas dificuldades da vida, netos para ajudar a criar. Na peleja de uma capital cruel por seus contrastes sociais, ela perdera há muito o orgulho e rezava à mendicância. Estendia a palma aos humanos como quem espera uma gota de esperança. 


Sem nada a oferecer, deixei-a ainda mais só, perdida na nova estação. 





  

Plena de nós


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"Educação não é privilégio."
Anísio Teixeira
Imagine a seguinte situação: um carretel em que você vai desenrolando a linha. Uma linha que nunca chega ao fim e que vai produzindo um emaranhado daqueles. Você nem acaba de desenrolar e precisa, ao mesmo tempo, começar a enrolar a mesma linha que, agora, corre o risco de criar nós. Não é complicado? 

Pois assim é a situação educacional no Brasil. As elites empoleiradas no poder agiram egoistamente. Proclamaram uma educação pública para todos, mas enganaram-na com modelos importados não condizentes com a nossa realidade, currículo amplo e vago e que não conversava com as necessidades produtivas do país. Criaram a escola de turnos com a desculpa de que, assim, com menos tempo de aulas, haveria mais vagas. 

Proclamaram um acesso democrático sob uma falsa universalização. O propósito real era de que as classes populares desistissem da escola no ensino secundário, antes de chegarem às universidades. Os filhos da elite estudariam em escolas privadas, com suposta melhor qualidade do ensino. Asseguravam-se, portanto, a imobilidade social e o apartheid, não declarado, nas escolas.  

A história mostra hoje, claramente, o tiro no pé que a elite deu em si mesma e no país. Prejudicou a educação de todos. O Brasil busca um lugar entre a pujança internacional, mas não tem condições de competir. Sem concorrência, a escola privada de nível médio não enfatizou qualidade e barateou a mensalidade para aumentar as matrículas. Continua desarrumada, com altos índices de evasão porque oferece um currículo enciclopedista e desconectado com a realidade.

A criação de duas escolas resultou em reprovação para todos. As elites astutas desconsideraram que as classes mais populares sonhavam também. Quiseram a mesma educação oferecida aos ricos por acreditarem que fosse a melhor chance a um futuro promissor. No egoísmo das políticas de exclusão, as classes dominantes afundaram elas mesmas e todo o país. Temos uma educação plena de nós.

Bom senso e direito

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A educação excludente e histórica no Brasil está encrustada no nosso cotidiano. Antes de sairmos de casa, é preciso engolir um comprimido de Passiflora para aguentar os maus exemplos jornada afora. Mas ainda assim serão necessários respirar fundo, contar até dez e relembrar as lições do catecismo para manter a civilidade sobre controle. 

A educação elitista desde os tempos da reforma pombalina em 1759 -  e a consideração de que "gente miúda não precisava educar-se para as lidas" - reproduzem nos nossos dias uma altivez nada nobre. Somos muito mal-educados e precisamos não só nos desviarmos dos abusos alheios como dar os nossos bons exemplos. Quem sabe assim não vamos ensinando novos comportamentos e nos salvando de amolações?

Dizem que Brasília parece cidade de primeiro mundo porque os motorizados param para os pedestres. Isso é verdade. Mas experimente dar seta para mudar de faixa. O motorista lá atrás vai acelerar para não te dar a vez. Então, deixo-o passar e depois, se der, pegue a faixa e entre no retorno. Se não, percorra mais alguns bons metros até o próximo retorno. Fazer o quê?

E a preferência do nosso jeitinho? Você está numa fila qualquer e chega a pessoa com o jeitinho brasileiro, que é o jeitinho de incomodar. Como se ele estive numa situação de mais pressa que a sua ou se a pergunta dele fosse tão rápida a ponto de não te atrapalhar. O problema é que o atendente te ignora para atendê-lo. Ou seja, a prioridade é para o jeitinho. Você que já esperou tanto que espere mais um pouco. Agora, vá fazer isso nos Estados Unidos, por exemplo. O atendente simplesmente não enxergará o jeitinho brasileiro a espalhar suas palavras bobas pelo ar. A prioridade é pra quem, de fato e por direito, esperou pela vez na fila. 

E o direito dos sexagenários, aposentados e em boa forma? Não apresentam sintomas de estresse nem debilidade que os impeçam de enfrentar as filas diárias. "Trata-se de um direito!" A exclamação é deles e a justificativa decorada. Contra a lei não há remédio. Mas a interrogação é minha. E o bom senso? As mães com crianças, que correm de um lado para o outro, e esperam aflitas pela diversão na fila do cinema? Pelo bom senso não deveriam ter a prioridade? Não, não tem jeitinho e nem direito na lei. 

De tudo que sei é que dar a vez no trânsito já é um avanço do bom senso. Sou capaz de parar o carro para fazer a gentileza. "Faça-me o favor ...".  Os mal-educados se surpreendem com a preferência concedida e levantam o dedão em sinal de agradecimento. E eu sorrio de dentro do meu carro. Entre o bom senso e o direito, salvemo-nos a nós mesmos nesse nosso furioso dia a dia. 


Boa semana!

Notícia boa!

Ilustração de Virginia Caldas
"O paraíso é uma infinita biblioteca."
Jorge Luis Borges


Feliz, feliz com a notícia! Meu singelo livro O caderno da Menininha está entre os 20 selecionados que serão lançados na II Bienal Brasil do Livro e da Literatura, de 12 a 21 de abril em Brasília.

Todos convidadíssimos a dividir essa alegria comigo! Quando tiver a data, aviso.

Aproveito para agradecer a todos que compraram o livro e escreveram em seus blogs ou me enviaram e-mail carinhoso. E quem ainda quiser a obra autografada, pode me enviar um e-mail, em particular.

Confira os autores selecionados para o lançamento de suas obras durante a II BIENAL BRASIL DO LIVRO E DA LEITURA:
1ContoOlivia Maria MaiaSe a Catraia Não VirarAutor
2ContoLuiz Humberto de Faria Del'IsolaHistória do povo de BrasíliaEd. Annabel Lee
3JuvenilWilson Mesquita de CastroO Bichano da BestaEd. Conhecimento
4InfantilRevênia Amorim BorgesO Caderno da MenininhaEd. Novo Século
5InfantilCarolina NogueiraA Rua de Todo MundoAutor
6InfantilLair Franca de OliveiraO Ciclismo Realizando SonhosEd. Thesaurus
7Arquitetura e UrbanismoJorge Guilherme FrancisconiPlanejamento e UrbanismoEd.Livre Expressão
8BiografiaJaime SautchukCrulsEd. Geração
9PoesiaRenato Matos dos SantosPalindromos Rimados e MusicadosSTARPRINT
10PoesiaJosé Alexandre Gomes MarinoExíliaEd. Dobra Editorial
11ReportagemHeron dos SantosMario Eugênio" O gogó das Sete"Autor
12RomanceVicente Geraldo de Melo NetoA Saga de Um CandangoEd. Baraúna
13BiografiaElvis Silva MagalhãesQuatro Décadas de Lua MinguanteEd. Vitrine Literária
14InfantilDinorá CoutoPaçoca de AvôEd. Ler
15JuvenilBárbara MoraesA Ilha dos DissidentesEd. Gutenberg
16RomanceAstrogildo MiagO Homem que morreu cinco vezesPalimpsesto
17ContoCinthia KriemlerSob os EscombrosEd. Patuá
18RomancePedro Sérgio dos SantosMaraçu não tem RemorsoEd. Ilumina
19PoesiaLilia DinizMundo de MundimEdições Lamparina
20ContoEugênio GiovenardiO Último PedestreKiron

Gratuita, a vida!

"O que é passado é prólogo".
William Shakespeare


Se o passado que incomoda gruda, você viverá num tempo enferrujado. Então, esqueça-o e tente lembrar da imagem mais bela da sua vida. Escreva-a várias vezes na memória até perder-se nela. 

Pode ser a lembrança do rostinho de um filho ao nascer, o encontro dos olhares que se apaixonam, a água do mar cobrindo o corpo, o nascer e a despedida do sol a cada dia, o gesto solidário que faz o mais fraco sorrir e o mais forte chorar, o desejo de tocar com a ponta dos dedos a linha do horizonte. 

Ah, mais que isso: encher o peito e respirar, respirar a beleza e o perfume da vida. Há momentos em que as palavras perdem a utilidade... e as cortinas do teatro se abrem. Assistam ao show. É gratuito.  

Fartura divina


Arquivo pessoal - Avignon/2014
 As viagens são fontes importantes de conhecimento e nos levam a refletir sobre a história da humanidade. Houve um tempo em que os católicos dividiram a sua fé entre dois papas, o de Roma e o de Avignon, na França. 

Um palácio luxuoso foi construído então para rivalizar com o poder do Vaticano. Como estava com fome danada, decidi enganá-la anotando a quantidade de alguns dos ingredientes: 38.900 ovos, 36 mil maçãs, 914 cabritos, 700 kg de pimenta, 600 kg de amêndoas e mais e mais... Tudo isso para o banquete de coroação do Papa Clemente VI, em 1.342. 

A chamada  "cuisine haute'', por exibir uma chaminé de 18 metros (foto), tinha a capacidade de assar várias carnes ao mesmo tempo. No total, foram servidos cinco pratos para mostrar o poder papal. Perdizes e pombos eram valorizados por estarem "mais perto do céu". E a canela, gengibre e o açafrão, condimentos caros para a Europa da época, eram fartos à mesa por serem considerados divinos. De sobremesa, bolos de mel e vinhos aromatizados. 

Acham pouco? A fartura no palácio papal era rotineira. Todos os dias, as sobras alimentam mais de 1.200 necessitados. Saciada a fome pelo exagero dos números, parei no quarto de dormir da Sua Santidade. O tempo apagou as cores das flores pintadas nas paredes e o brilho do chão de azulejos onde ainda se podem ver outras flores, plantas, peixes e aves. Era ali, que os papas ouviam o canto triste dos rouxinóis. Eles eram grandes apreciadores dessas aves e, por isso, as mantinham presas nos seus quartos.   

Bom fim de semana!