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Vaguear

Foto: Tumblr

Saboreio o descascado
o musgo, a ferrugem
Esse pisar no pisado 
Esse pensar no vivido

Aprecio ler o não escrito 
e por aí tão esquecido
como amor perdido 
Há tanto nisso que colho
fartas as colheradas 

Assim bem posso ouvir
o bater novo escondido 
que daqui a pouco passa
como brisa que abraça

Tão bom marcar o chão
com toda nossa graça 
Esses grãos açucarados
que esfarinham e doem

Vontade de me infiltrar
em vapores, em cheiros
nesses idos ainda vivos
neste só e largo instante
que brinca à minha volta

Que cansaço! Que balanço!
Vou, vou. Volto, Volto.
Nesse andar, nesse soprar 
resta o vaguear, o vaguear


Rovênia Amorim 30/08/2013

Bom fim de semana!










Às vezes...

... as novelas nos trazem um pouco de cultura. Nesses raros momentos, é preciso saber calar e ter o puro prazer de ouvir as palavras, os seus sentidos. Que tal aproveitar a bela atuação de Osmar Prado para abrirmos outras páginas com os versos do poeta?



Imagem do Google


Para ler Fernando Pessoa? Clique aqui.

No útero da árvore


"Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos".  
(Amyr Klink, em Mar sem fim) 


Andar por aí, ver coisas, esboçar um desenho, anotar a descoberta, conhecer gente. Encantar-se! Não há fórmula melhor, que nem precisa ser decorada, para aprender. Vez ou outra vou trazer aqui uma pincelada dos aprendizados de viagens.

Casa da família Strapazzon: cenário de O quatrilho/ arquivo pessoal
















Em Bento Gonçalves (RS) é possível fazer o Caminho das Pedras e descobrir a vida dos primeiros colonos italianos. Esse tronco aí foi cavado por uma família vizinha aos Strapazzon, que emprestaram a casa de pedra para a gravação do filme O quatrilho.


Como eles não tinham onde morar quando chegavam para lavrar as terras do sul do Brasil, abrigavam-se no útero da mãe natureza enquanto recolhiam pedras para assentar em esterco e folhas secas as paredes da casa. Rodeados de árvores, por que não faziam as moradias de madeira? Não tinham ferramentas apropriadas: apenas o facão, a enxada e o deus-dará!




Às claras!


Duas histórias

Parte I - The End

Ele era tão feio por dentro e por fora, que um dia ela não suportou:
- Não gosto de você!
Sem se abalar um milímetro, olhou-a friamente nos olhos:
- É recíproco!
Ela sentiu-se aliviada! Não pertenciam ao mesmo mundo.

(Rovênia Amorim)




                                  Parte II - O grilo                                                                                        
Imagens: Tumblr e Google

- Grilo, toca aí um solo de flauta.
- De flauta? Você me acha com cara de flautista?
- A flauta é um belo instrumento. Não gosta?
- Troppo dolce!

(Manuel Bandeira) 







Flor de diamante

Adoro quando uma leitura é sugerida por um grande escritor. Ao ler Esforços do Afeto,  Elizabeth Bishop deu-me a dica de Minha vida de menina, de Helena Morley - na verdade, o pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant. Achei a raridade num sebo virtual e voltei ao Brasil de 1893. Bishop apaixonou-se tanto pelo diário que a menina Helena escreveu dos 12 aos 15 anos, que insistiu com os seus editores nos Estados Unidos para que publicassem a sua tradução em inglês. 

Filha de um minerador inglês que não conseguia lavrar um diamante de grande valor em Diamantina, Helena teve uma infância muito pobre e encantadoramente rica. Os seus dias cheios de alegrias, tristezas, personagens da história do Brasil que viviam a abolição da escravidão eram escritos vorazmente por incentivo do pai e apreço da avó. 

Por seu valor histórico e literário, Minha vida de menina já havia sido elogiado por Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. Vou deixar, é claro, registrado neste post um trecho para vocês se deliciarem, mas se não tivesse lido Esforços do Afeto não teria informações detalhadas de Alice velhinha e feliz. 

Bichop conta que quando chegou ao Brasil, em 1952, perguntou aos intelectuais quais livros brasileiros deveria ler. Recomendaram-lhe contos e romances de Machado de Assis e Os Sertões, de Euclides da Cunha, e o livrinho de Helena Morley que havia sido publicado em 1942 - uma tiragem de dois mil exemplares para a família e os amigos da autora.  O sucesso foi enorme e em 1944, 1948 e 1952 saíram novas edições das história da inglesinha de Diamantina, de sardas no rosto.

Sobre o livro diz Bichop: "Quanto mais lia o livro, mais eu gostava dele. As cenas e acontecimentos nele relatados eram estranhos e remotos no espaço e no tempo, e no entanto não haviam perdido o frescor; eram tristes, engraçados e eternamente verdadeiros."  A poetisa norte-americana quis conhecer Helena e Diamantina. Passeou pelas ruas da cidade histórica de Minas Gerais como a reviver os diários da menina que lhe renderam um encantamento de leitura. 

Bichop foi apresentada à Morley pelo poeta Manuel Bandeira. Dona Alice (Helena) morava no Rio de Janeiro, num casarão na Lagoa. Era casada com Augusto Mário Caldeira Brant, na época presidente do Banco do Brasil pela segunda vez. 

"... então dona Alice entrou. É uma mulher grande, muita alta para uma brasileira; aparenta menos que sua idade (setenta e seis anos); os cabelos não estão ainda inteiramente brancos; o rosto é bonito e cheio de vida, com malares proeminentes e dois olhinhos castanho-avermelhados, pequenos mas extraordinariamente reluzentes e alegres ". (Esforços do Afeto, pag. 108).

Os relatos de Helena terminam antes do namoro com Augusto Brant. Não que ela não tivesse escrito sobre isso. Segundo Bishop, "o doutor Brant só publicou os diários até um determinando ponto porque no ano seguinte ele aparece neles, pede a mão de dona Alice em casamento e é aceito. 

"...Aos dezessete anos de idade, Helena já havia recebido cinco propostas de casamento de mineiros 'estrangeiros' radicados em Diamantina. Seguindo a tradição brasileira, escolheu um brasileiro que era seu primo, e, aos dezoito anos, casou-se com doutor Augusto Mário (...). Estou certa de que ela jamais lamentou, por um instante sequer, ter rejeitado as outras propostas, e sua história é uma das poucas que combinam sucesso material e final feliz".




Ficam as dicas de leitura e segue o trechinho que separei do livro de Helena Morley:

" ... Nisto, o que foi que elas viram? O capeta arrastando por detrás do altar o corpo da desgraçadinha. Sabem por quê? Porque a menina escondeu um pecado no confessionário.

Quando ouvi isso caí num pranto que espantou a todos. Padre Neves correu para saber o motivo. Eu disse: 'Escondi um pecado no confessionário'. Padre Neves com meiguice consolou-me: 'Não se aflija, minha filha; venha contar o pecado que Deus lhe perdoa e você poderá comungar'. Respondi: 'Quero contar o pecado a outro padre; ao senhor, não'. Sempre com meiguice ele segurou-me as mãos dizendo: 'Não pode ser, filhinha; você confessou comigo, será a mim que terá de contar o pecado. Não se acanhe, que padre é para ouvir tudo. Venha. Eu viro a cara, você conta num instante e sai.'

Levou-me para um canto da sacristia e, acarinhando-me, ia me obrigando a confessar. Ainda soluçando e horrorizada do que ia dizer curvei a cabeça e disse baixinho: 'Eu me acuso de achar um padre muito feio'. Padre Neves respondeu: 'Isso não é pecado, minha filha. Que mal há em achar um padre feio?' Aí tomei coragem e disse: 'Mas o padre é o senhor mesmo!'

Padre Neves largou-me as mãos e levantou-se exclamando: 'Sou feio mesmo, e que tem isso? Não posso com meninas tolas! Levo o ano inteiro pelejando em prepará-las para a comunhão e no fim vem ao confessionário dizer-me que sou feio. É demais!'". (Minha vida de menina, pag. 334-335).



Lendo um mundo melhor

Sensação mais estranha. Você entra tanto dentro da história, que se deixa confundir com o narrador-personagem. Sente-se como se já tivesse vivido aquelas páginas escritas. Maravilha-se. 


Imagem: Tumblr
Fecha então o livro, ainda meio atordoado. Sem querer, vê a manchete do jornal atirado ao chão. Arrepia-se com a notícia das milhares de crianças mortas. Abre apressadamente o livro apoiado no peito e volta a ler um mundo melhor, um mundo de paz. 







Bom fim de semana! 


Nasce uma amizade!

Imagem: Google

Que pena tive da menininha... 
Tão linda e tão doce, 
mas sem ninguém para brincar. 
Vendo-me triste, ela ensinou-me:

- A gente não pode forçar uma amizade!

E, assim, tornamo-nos amigas.



Colheita de palavras

Fonte: Tumblr/ghibli-gifs
Há tantos escritores geniais que inventam palavras. Sem elas, seus textos seriam incompletos. Mas o que gosto mesmo é de ir passeando pela vida, pelas páginas, pelas lembranças quase esquecidas e ir colhendo palavras. 

Algumas escritas já não se falam mais e outras são faladas por poucos. Quando esbarro nessas que resistem à extinção, juro, minha alma sorri. Se eu pudesse, esqueceria minha timidez e tiraria-as para dançar. 

Numas páginas que ainda viro, conheci o menino que fazia gaiolas de passarinhos para juntar uns "cobres". Lá em Minas, onde ele passou a infância, colhia-se diamante, mas dinheiro tinha valor de cobre e a doçura dos doces feitos em tachos.  

Ainda hoje, em algumas cidades mineiras, moedas são apelidadas carinhosamente de "pratinhas":

- Pegue as pratinhas, minha filha, e vá comprar pão!

Não é lindo essa mania de mineiro utilizar o diminutivo? A pratinha é palavra tão gostosa de ouvir quanto sentir o cheiro do pão de queijo quentinho. 

Então como não lembrar do tempo dos mais velhos, que guardavam seus "tostões" ou escondiam seus "dobrões de ouro", que eram feitos de ouro de verdade?! Rendiam histórias nas noites sem luz. Desconfio que vem daí o caldeirão cheio de moedas de ouro enterrado bem onde nasce o arco-íris. 

Que engraçado a gente esquecer que a palavra já valeu cobre, prata e ouro. Então, em dias de chuva, a preguiça me faz abrir um livro. Lá fora, deixo os baldes abertos ao céu só mesmo para ouvir os pingos das novas palavras colhidas. 

Chover no molhado


Imagem do Google
É possível chover no molhado, mas costurar um rendado no clichê. Elogiável a mistura que Guillermo del Toro fez em O Labirinto do Fauno. Ele conseguiu unir história, magia e fantasia num enredo gostoso, embalado por uma bela trilha sonora. 

As informações embutidas no filme nos obrigam a ler mais sobre a guerra civil espanhola (1936-1939)e revirar a mitologia atrás de saber sobre fauno e mandrágora - essa raiz de planta, aliás, aparece também na saga Harry Potter. E, assim, o diretor constrói um roteiro que mistura o pagão e o cristão:

"Dizem que num mundo subterrâneo onde não há dor nem mentira, vivia uma princesa que sonhava com o mundo dos humanos, com o céu azul, a brisa suave e o sol brilhante..."  

Mas, no mundo dos homens, a menina Ofélia conheceu as maravilhas do país de Alice nos livros e a crueldade da guerra nas palavras do seu padastro, o capitão fascista: 

"Essa gente parte de uma ideia equivocada: de que somos todos iguais. Mas há uma grande diferença. A guerra acabou e nós ganhamos. E se para ficarmos em paz temos de matar esses bastardos (camponeses), nós os mataremos!"

Ao voltar para o submundo, a menina ganha a vida eterna, senta-se ao lado do verdadeiro pai. O fauno, com aparência diabólica, está lá. E, no fundo, a cruz aparece nítida num vitral como nas igrejas católicas. Deus e o diabo na terra sem sol. O submundo guarda o paraíso. A inversão reina e sobram as nossas crendices reais e a passagem do divino neste nosso mundo de luz.    





Deliciosa sobremesa



O que é grafenola? Semana passada pulverizei o ambiente de trabalho com a minha curiosidade. Li um texto, de um escritor português, que falava dessa "deliciosa sobremesa". Pergunta daqui, procura ali, e chegamos a um acordo ortográfico entre Portugal e Brasil. Grafenola é o mesmo que gramofone. 

Recuei até a minha infância e lembrei-me desse instrumento charmoso com aquela tuba retrô pode onde saía a melodia preferida da minha avó paterna: Tema de Lara, do filme Dr. Jivago. Entendi a metáfora tão bem empregada pelo escritor português! E olha que teve jornalista aqui achando mesmo que grafenola era um típico doce português. 

Essas coincidências são engraçadas. Falamos e não falamos a mesma língua. Às vezes não nos entendemos. Mas a minha curiosidade ainda rendeu mais. Alguém disse que gramofone e radiola são a mesma coisa. Então quis saber a diferença entre radiola e vitrola. Não se aflijam porque vitrola, radiola, toca-disco ou gira-disco (no português de Portugal) são a mesma coisa. 

Lembrei-me então dos toca-fitas. Alguém não sabe o que é? Como a tecnologia nos transforma rapidamente em primitivos da caverna! Com tablets nas mãos e acesso a ipods, os jovens de hoje devem achar que sou do tempo dos dinossauros. E máquina de datilografar. Será que existe datilograr no dicionário online? Ou essa palavra foi extinta. Vou digitar aqui para pesquisar ... 

Preciso contar que, um dia desses, alguém daqui jogou o Aurélio no lixo. Uma amiga achou, reclamou do absurdo com todos os "bah" e "tchê" nervosos do seu gauchês, mas quer doá-lo. Está em bom estado e guarda palavras antes da reforma ortográfica. Alguém quer? 

Será que procurar palavras pela ordem alfabética já está no caminho do esquecimento? Fico imaginando o futuro. Daqui a pouco será o próprio livro que lerá para nós desde, é claro, que você dê o comando de voz. Como? Já existe isso...?





Roubas meu coração


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Quem és tu, 
que chegas e deixas-me uma flor?
Uma paixão vermelha.

Quem és tu,
que roubas-me as mãos e ofertas-me um olhar?
Uma promessa de amor.

Quem és tu,
que danças comigo um tango
e vais embora... 

com o meu coração?

(Rovênia Amorim - 15/08/2013)



Bom fim  de semana!

A vida é bela

Foto: Tumblr
... e preciosa demais. Pode não ser fácil e certamente imita a natureza em suas montanhas e depressões, mas podemos ser invencíveis. Admiro quem luta, quem não reclama diante das dificuldades. Segue, insiste, vence e coleciona histórias para orgulhar a si mesmo e a humanidade. 

Somos capazes de maravilhas, mas somos capazes também de horrores. Não sei o que acontece em Brasília. Desde a morte do índio Galdino em 1997, queimado enquanto dormia numa parada de ônibus da Asa Sul, o gatilho da crueldade mantém-se pronto para novos disparos. O horror repetiu-se novamente esta semana numa briga entre duas mulheres. Leiam aqui. Como a barbárie teve como palco uma quadra residencial em frente ao Colégio Marista de Ensino Médio, o diretor José Leão da Cunha Filho propôs uma reflexão sobre a violência. Abaixo reproduzo parte do texto tão bem escrito:


"Há uma onda de desvalorização da vida no planeta, seja dos homens, seja dos animais e das árvores. Parece que ferir é normal, até mesmo atear fogo numa pessoa, como ocorreu agora na Quadra em que o Maristão se situa. Alguns podem desejar tratar o caso como episódico, porém, o que se observa em todo o país é uma crescente escalada de atentado à vida, sobretudo de mendigos, que vez por outra são queimados vivos ou mortos nas ruas e praças.
(...) nossos alunos (...) estão em idade fértil para a reflexão, assim, costumam ser socialmente inquietos e, em geral, desfrutam de forte senso de humanidade. Eles querem viver de maneira plena, como nos convocou Jesus Cristo: 'Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 10, 10).

A vida é bela. É imperativo que cada um de nós aprenda a apreciá-la, tanto para si, quanto para os outros."


"Tem quem se proteja
por trás
de uma barragem
de bons dias
boas tardes
boas noites
assim não tendo
que ver o que está passando."


Palavras ensaboadas

Arquivo pessoal
O trem aproxima-se, vagarosamente, e freia os pensamentos. Fecho o livro e olho pela janela o tempo das outras pessoas. O frio espanta a pressa lá fora. Uma história já foi escrita e lida. A outra, que vejo sumir pelo caminho, espera pelas palavras. Quanta história morre sem merecer uma página ... Mais tarde, aos rascunhos que acumulo, outro se juntará: 

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.  Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra  foi feita para dizer."  (Graciliano Ramos - entrevista concedida em 1948).

O que eu penso antes de deixar o trem? Se ele não tivesse escrito isso, não teria lido, não teria pensado que escrever requer tempo, paciência, releitura, primor, sabão e amor. O resto é leitura em excelência, já lavada anteriormente.