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Um até breve

Aos amigos que fiz por aqui, deixo um até breve. Parto para novos desafios, novas páginas. Espero um dia voltar e doar um tempo de maior qualidade a todos vocês. Meu respeito e gratidão.

Só sei que a vida é feita de ciclos. E eu cheguei ao "sim" de um novo.









Rovênia Amorim - 01/07/2016

Por dias mais bonitos

Imagem: internet
Entre tantos absurdos no Brasil de hoje, parei  para a senhora que fazia sinal com a mão. Ao observá-la durante os instantes da travessia pela faixa de pedestre, reparei nos vincos do seu rosto, na  roupa simples, no andar sob o peso da idade ... 

Ao virar o rosto e sorrir como forma de agradecer, ela interrompeu o meu pensamento e me fez sentir orgulho de ser brasileira. Há pessoas que diante da dureza da lida diária, dos direitos que lhe foram subtraídos e negados, perderam os sonhos, mas não deixaram que os  princípios e os valores fossem corrompidos. O Brasil é um país vasto e rico em exemplos. 

Não há de se ter partido ou religião para mudar os absurdos a que assistimos. Há de se ter coração, consciência e atitude. A ideologia não será utópica se partir de cada um. Há de se viver lutando por dias mais bonitos. 
E, no fim de cada dia, deixar deitar sobre a cama o corpo exausto e liberar a alma leve.  





Aprendizado

O quarto em Auppegard, França 
Ethel Sands (Inglaterra, 1872-1962)
Irresponsável, ingênuo,
desnudar-se, assim.
Entregar o  pensamento escrito
a quem avançou mais. 

À medida que  se percebe isso
cai, em si, o constrangimento.

Ao ler a coragem
o outro aceita, enriquece,
conserta e ordena as palavras.
Devolve a generosidade escrita.


Talha de vida

Young Woman Reading - Umberco Buccioni (1909)
Ela era dessas que apreciava as palavras simples, extraídas dos restos de memória. 

Aquelas palavras moldadas ao ouvido de quem estudou pouco, mas que abraça o aprendizado doado pelo viver. 

Perdida entre as tantas enraizadas nos livros, ela vagava em busca de uma sabedoria que nunca alcançaria, mas há que se redimi-la pela sensibilidade herdada da infância. 

Naquele tempo em que aquietava a alma a observar os homens de mãos calejadas, andar curvado, sem pressa e sorrisos naturalmente felizes. 

Naquele tempo em que investia fios de horas a registrar as mulheres de coque acinzentado, roupas de avós, nenhuma vaidade, a entreterem-se nos cheiros da cozinha. 


- Quer uma "taia", minha menina?

Ela aceitava e olhava de soslaio para o buraco da parede onde morava o sapo. 

Tantos anos mais tarde, em meio às leituras, esbarraria com a palavra antiga: "taia" é igual a talha, que é igual a repartir a produção com o senhor do feudo.
A história avança, mas deixa seus rastros. Ela fechou as palavras que amparava sobre o colo e pôs-se a um instante de nada. 


Na virada seguinte, percebeu-se no entrelaço da história, daqueles que pagavam "banalidades" para moer o trigo, assar o pão e tirar da terra uma talha de vida.  


Realidade sem cor

Do livro: Floresta Encantada, de Johanna Basford
Cada uma na sua década, as três lembravam-se das gulodices da infância. Enquanto a caçula e a mais velha riam das misturas absurdas, a do meio mantinha-se em mistério. 

Antes de placidamente dizer o que escreverei a seguir, as duas não haviam notado a quietude da amiga do meio. Foi então que ela usou a voz doce para voltar à infância: 


"Nunca reclamei quando era menina. Mas quando a dor apertava, eu esticava a minha redinha e ia dormir para a fome passar". As duas entreolharam-se, cessaram o riso e voltaram à realidade sem cor das desigualdades do Brasil. 

Amanhecer maduro


Imagem/Pinterest: Heatherlee Chan
Ao olhar para o céu que clareava, percebeu que o amanhecer, enfim, havia amadurecido. Abriu as portas do armário. Entre tantas cores, escolheu a discrição. Venceu, sem pressas, os degraus até a mesa do café da manhã. Encheu a xícara de café e fixou-se no olhar da gata. Por instantes, trocaram pensamentos. Pendurou-se em si mesma, ensaiou um verso e percebeu que deixara de ser há pouco o centro do universo. E encheu-se de alegria. Abandonou a xícara que fumegava de vida e abriu a porta do novo dia. 




Alma vazia



Imagem: Hancurnya Hatiku

Sei que a dor d'alma, por vezes, rende admiráveis versos. Mas viver de escrever a melancolia e o vazio de si mesmo, entristece o leitor. Não é possível passar por esta vida e não esbarrar na beleza, não se apaixonar. Como detesto abandonar páginas não lidas, insisto. Faço isso não em respeito ao poeta e sua fama, mas às palavras juntadas, a fórceps. Procuro, em meio a tanta turbulência, um resto contido de sonho e de cor. Um lapso de que foi, por um instante,feliz. 

[Rovênia Amorim]








                                                


Percepções


A Lua - Tarsila do Amaral



Somos infinitamente limitados e não nos damos conta disso. Vivemos tanto para nós, afundados na cegueira de nosso mundo, que não percebemos a realidade dos outros. Enquanto formos esses seres individualistas não construiremos uma coletividade. Seremos a soma, mas não o resultado. 

(Rovênia Amorim)