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Um mundo todo para ler!

Imagem Google: Açougue T-Bone, de Luiz Amorim

Siga a vida lendo. Nesta semana em que a leitura passeou tanto por aqui, trago um pensamento de Rubem Alves. 

Segundo ele, você não aumenta a leitura de um país, "mandando" as pessoas lerem. O gosto pela leitura vem do encantamento.  É preciso encantá-las. 

E, nisso, todos nós somos capazes. Há tantos exemplos. Aqui, em Brasília, temos um açougue cultural, na 312 Norte. Um homem analfabeto até os 16 anos que encantou-se pelos livros e espalha essa magia desde 1994. 

Que tal encantar alguém pela leitura neste fim de semana?





Página de passarinho



Imagens do Google



Ler sob esse nosso céu de balançar                                                  

fez brotar essa página de passarinho
Quem me dera ter a cor da terra
e casinha num galho qualquer


Rovênia Amorim

                           29/05/2012









Perto de amar

"Você pode ser minha amiga ainda que não deseje..." 

 À Madame Michel, que redescobria o amor


Imagens do Google


Cercada pelo luxo e pela loucura de quem não vê na vida o que ela tem de essencial, a menina filmava o seu redor. Buscava uma verdade. A única certeza que tinha era a morte, exatamente aquela programada. Definiu a data e esperava. A cada dia, um desenho compondo um mosaico na parede, revelando harmonia e talento.

Mas a vida vence a morte programada quando a menina descobre o pulsar do amor: o olhar particular do novo vizinho que se encanta pela esquecida zeladora do prédio. Madame Michel, uma viúva que se esqueceu da beleza, e só não desistiu de viver porque sustentava-se na poesia dos tantos livros trancados como tesouros. Assim, vencia a morte da alma. 

O olhar dedicado do estranho, paz em cada movimento, faz brotar um sentido à vida da menina rica. O amor sustenta o tripé, essas três pessoas que se conectam. Mas a morte vem, inesperada. Pela primeira vez, a menina chora:  "O que você fazia perto de morrer?" Ela reflete e conclui: "Você estava perto de amar". 

A menina, Paloma, desiste da morte programada. Já não faria sentido. O mosaico está completo e, das mãos do novo vizinho, recebe a esperança de vida em dois volumes de Léon Tolstoi (Anna Karenina). Exemplares que havia oferecido à zeladora, que ninguém  enxergava.  





Um dos filmes mais reflexivos e belos que assisti recentemente: Le Hérisson, baseado na obra de Muriel Barbery. 




Semeadoras de livros



Imagem do Google

Uma propaganda na tevê traz a pergunta: 

- O que você faz para ser feliz?

Se você sorri sempre, deixará uma impressão feliz e será contagiada por si mesmo. Nada como começar o dia de bom humor, dar um beijo na flor, na criança, em quem te ama, conversar com o cachorro, dar bom dia aos passarinhos e às nuvens e sair por aí, leve, à procura de poesia. 

Mas ser feliz sozinho é egoísmo da alma. Se ler te deixa feliz, por que não propagar essa felicidade? O que os livros lidos fazem expostos na estante e engavetados? Vão acumular cheiro de pó. Conhecimento não se guarda, se repassa. 

A ideia de uma corrente do bem veio de uma amiga virtual que desde menina encontrou a felicidade em páginas de livros doados a seu pai. 

Então me dei conta que livro lido é tão bom! Guarda uma energia boa que merece ser propagada. 

Hoje, essa menina, com nome de fada encantada, cresceu e anda pelas ruas com livros em uma sacola. Cada livro lido que doa é acompanhado por um bilhetinho. O novo leitor deve repassá-lo adiante. Semeia leitores, num puro encantar.

Outra dedica tempo para ler para crianças, regando novos leitores. Tem um blog para mostrar o quanto ler é bom. 

Imitá-las, com certeza, me deixará ainda mais feliz.



Férias para a leitura?



Por que a maioria dos brasileiros não lê? Pior, não gostam de ler por quê? Preguiça ao ver o número de páginas? Quem já não ouviu de "rabo de ouvido":

- Nossa, isso tudo pra ler? 

Isso mesmo, a grossura de um livro já desanima o leitor em potencial. Se tiver que escolher, será grande a chance de um livro de autoajuda, com poucas páginas. 

O que está errado no percurso da nossa educação que faz as crianças a se desinteressarem pelos livros à medida que crescem? Falta de estímulo na escola e em casa? Livros errados para a faixa etária ou abordagem equivocada? 

Ainda e também o preço? Livro é muito caro, um artigo de luxo para uma população que precisa de ajuda do governo para comer. Por que não inventam a Bolsa-Leitura? Por que não colocar o livro como ingrediente indispensável na alimentação das famílias carentes?

De certo mesmo é que algo desvirtua os leitores iniciais no Brasil. Esbarrei num artigo escrito pelo economista Claudio de Moura Castro (Revista Veja, edição 2169) em que ele fala da glorificação dos livros pelos judeus, uma tradição milenar. 

No último dia de aula na escola Walt Whitman, situada no sofisticado bairro de Bethesda, em Washington (DC), os pais judeus chegam em casa com sacolas de livros para os filhos lerem durante as férias. 

E as férias das nossas crianças brasileiras? As de classe média viajam para brincar na Disney. As mais ricas vão esquiar em Aspen. As pobres vão assistir aos desenhos animados da TV aberta. 

A leitura, chata e obrigatória, só quando as aulas recomeçarem ... 

Quem "ama ler" é, infelizmente, exceção.    



Gêmeas flores



Imagem do Google
Quase aos nove anos, ela descobre que é bonita. Passa um batonzinho e quer penteado de festa para ir à escola. Quase aos nove anos, ela quer pintar as unhas no salão, por pura imitação, e sonha com vestido novo.

Se são duas, fazem tudo isso duas vezes aos olhos de quem encanta-se com a beleza dessa metamorfose. Daqui a pouco terão pétalas, asas e o desejo dessa liberdade que tem cor e perfume. 

A cada dia, uma alegria imensa vai corando os seus rostinhos. Já não se rastejam como as lagartas, já não tropeçam ou pedem colo para sentir o calor do carinho. 

São cada vez mais donas de si, descobrem-se e revelam-se num tempo sem pressa. Cantam e choram em segundos. E quando o mundo parece acabar, consolam-se com as melhores bonecas. Amigas que daqui a pouco vão abandonar pelas de verdade. 

Qual das duas amar mais? Por que elas desafiam o nosso amor? Amar uma é amar a outra. Não tem mais. Não tem menos. É um todo indivisível. 

O final da infância pode ser lindo, sim, e enviará lembranças para toda a vida. Mas ao comprar as velinhas para o domingo mais importante de 2013, tive vontade de parar o tempo em troca de um pedacinho a mais dessa doce infância.  



 Flores no fim de semana de vocês!



Alma escrita

Ilustração: Don Dahlke



Arrancado do conforto da solidão
ao nascer, ele foi o único a chorar
Mas aprendeu que era preciso calar-se,
acostumou-se à impaciência e à luz

Descobriu a beleza das cores,
as ilusões e as desilusões do amor
Cansou-se dos passos apressados
que cegavam seu olhar, seu pensar

Amou  palavras, traduziu sua alma
Mas ninguém quis ler, quis vê-la
Perto do fim, encantou-se com a paz
que brilha esquecida na escuridão
É o único a sorrir. Por que todos choram?

Rovênia Amorim - 22/05/2013

Beleza inventada

Ilustração de Ralph Steadman
"O homem sempre quis voar... talvez um dia tenhamos tido asas..." 
(Ralph Steadman)




Conhece o dodô? Não? E não vai conhecer. Ele pode até mesmo estar vivo em desenhos animados da Walt Disney, mas a ave que viveu nas Ilhas Maurício desapareceu no fim do século XVII. Foi vítima de predadores introduzidos em seu habitat natural pelo homem. 

Um dia desses esbarrei numa linda ilustração do emblemático dodô feita por Ralph Steadman. O ilustrador britânico é o mesmo que desenhou as páginas do clássico Alice no País das Maravilhas. 

A pedido do curador Ceri Levy, que queria apresentar pássaros extintos na exposição Ghosts of Gone Birds, Steadman se empolgou tanto que, em vez de uma, desenhou 110 aves extintas e outras que nem chegaram a existir: "Era uma navegação de exploradores vitorianos confusos pelos mares imaginários da invenção". 

Lembrei-me que havia lido sobre o dodô e outras aves extintas recentemente na revista Piauí (edição de abril), ao me deparar na internet com as novas descobertas de pássaros na Amazônia. Incrível pensar que tantas aves desapareceram e ninguém nunca será capaz de imaginá-las. 

Assim como é incrível saber que em meio à crescente devastação da nossa floresta tropical ainda há espécies lindas, que não sabíamos da existência. 

Pensando bem, não foi tanta invenção de Steadman ilustrar pássaros inventados. Que essas ilustrações sirvam de alerta para que os homens deixem de ser predadores da beleza deste mundo, que um dia poderá ser extinta de fato.


Espécie de arapaçu-de-bico-torto
descoberta na floresta ao sul do Pará.
 A ave integra o grupo de 14 novas espécies
 achadas na Amazônia. Fonte: UOL/maio de 2013





O pássaro e a poesia

Ilustração de Walter Moreira Santos
Todas as semanas, um livro novo surge por encantamento lá em casa. A pequena Clara veio me mostrar os versos que leu, carregando a certeza de que eu gostaria. Ela acertou em cheio. O livro todo é uma graça. Encantei-me com o autor gaúcho Sergio Napp. Vou resumir assim:


O Menino com o pássaro ao ombro é de uma delicadeza do início ao fim. É a poesia de um pássaro que pousa na janela do menino quando ele nasce. Seriam sempre amigos no segredo daquele quarto. O pássaro no coração, o pássaro ao ombro. 

O menino cresce cercado pelo amor, mas um dia fica triste porque conhece a dor nos olhos do "Come-Dorme", o cachorro macio, macio que é picado por uma cobra. O menino sabe que não pode fazer nada para ajudá-lo e decide que será médico de bicho. 

A decisão, no entanto, não apaga a dor, a tristeza de lembrar dos olhos do animal que pediam socorro. A avó, a doce avó das nossa infância, revela-lhe então o segredo da vida que pode ser "apetitosa como doce de melado": a poesia!


"A vida é tão bela que chega a dar medo.
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita, 
mas 
esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta."

(Sergio Napp - Menino com pássaro ao ombro)

Tempo da poesia

Legião Urbana/1984 - imagem do Google
Aquela Brasília não existe mais, mas assistir ao tempo que passava mais devagar na capital e ao idealismo de uma geração dos anos de 1980, que se juntava para contestar a realidade e sonhar, valeram muito a pena. Somos tão jovens é um filme romantizado, não é totalmente fiel aos fatos, mas ampara bem o nascimento da Legião Urbana, a mente em ebulição de Renato Russo, os conflitos com a própria sexualidade, a sensibilidade de poeta incompreendida. 

Assisti ao filme ao lado do meu marido, que nasceu em Brasília e viveu a época do surgimento das grandes bandas: Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Paralamas do Sucesso. "Vivi tudo isso", emocionou-se. Os shows podiam acontecer na rampa do Congresso Nacional, os jovens bebiam vinho barato de garrafão de cinco litros e não havia violência no Plano Piloto. Até o movimento punk brasiliense era ingênuo, pacífico.

A cidade era um tédio com "T" bem grande, como dizia Renato Russo, mas havia uma liberdade que os jovens não têm mais nos dias de hoje. Talvez esse esquecimento do Brasil de Brasília tenha criado o vazio inesperado e necessário para a ousadia dos jovens, que se juntaram para a histórica festa da Rockonha. 

Não sabia que a Legião Urbana havia feito o seu primeiro show na Festa do Milho, em Patos de Minas, minha cidade natal, em 1982. Eu ainda estava por lá. Era uma menina. O show foi polêmico e a banda foi presa, fato que o filme não conta. 

Em 1990, quando cheguei a Brasília, a capital ainda apresentava resquícios do tédio a que Renato se referia. Ainda eram poucas as opções de diversão. A internet que rouba o tempo dos livros estava no seu início. Foram nos livros, no seu vício de leitura, que Renato absorveu poesia. Era fã do mineiro Lô Borges. 

Se o filme vale a pena? Sim, pelo tempo de Brasília, pelo tempo de Renato e suas amizades sinceras, pela poesia que ele cantou e será eterna. 





Gosto de felicidade

Google Images


Menina sem juízo, ela deu a mão ao vento. A liberdade e o pensamento deixaram-na descansar sob a sombra carregada de tamarindos. Ela não achava graça, mas não desistia. Feriu o céu da boca de tanto procurar o doce que se escondia atrás do puro azedume. O dia passou, o juízo brotou e o vento deu-lhe a mão na volta. Ela sorria, estalando na língua o gostinho aveludado de ser feliz.




Um feliz fim de semana!

Estrada da saudade


Aleostro Peixoto - Clínica Villas Boas/arquivo pessoal 
A espera para fazer um exame médico é uma chatice. Nem livro na bolsa, nem internet nas mãos. O jeito era olhar as paredes. A opção que restava foi maravilhosa. Era uma espécie de clínica-museu, com incontáveis pensamentos e imagens para admirar no tempo de espera. 

Não aguentei. Pedi caneta emprestada ao senhor e anotei uma frase no único papel rabiscável dentro da bolsa. Era uma conta qualquer:

- Os ímpios fogem sem ninguém a persegui-los."

Atrás do balcão, os olhos expressivos de refugiados da guerra, da fome, do mundo. Um elefante se ajoelha diante do menino que lê. Desenhos de todas as formas de rezar. As águas encantadas de tão belas do Lago Titicaca.

- Bruna! Sua vez.

Enquanto a menina tira o raio-x da mãozinha, encontro Frank Sinatra numa fotografia em preto e branco, só os olhos são azuis. Ele já foi preso por sedução e adultério? Que fantástico isso... O caso ocorreu em 1938 e ele, com 23 anos, tinha prometido casamento à reclamante. Ainda lia quando o senhor vigilante interrompeu:

- Você encantou-se com os quadros nas paredes, não é?

- Sim, sim e sim. E ele conta-me a sua história e a do museu de frases e imagens que descobri na clínica médica. O diretor viaja muito, traz sempre novidades, troca os quadros sempre porque há vários guardados numa sala que ninguém entra. 

Ele então me mostra o quadro que mais gosta, uma singela estrada de terra, duas casinhas de madeira no horizonte, o vento que não gira o moinho e faz tudo parecer tão parado.

- Escrevi uma canção para esse quadro, sabe?

- Ah, o senhor é poeta?

- Não estudei, mas toco violão e escrevo uns versos. 

- Fale para mim então um verso que esse quadro te inspirou:

- Sigo nesta estrada da saudade
  acelerando meu carro 
  na esperança de te encontrar!

- Que lindo! Qual é o seu nome?

- Aleostro Peixoto. Tenho 67 anos, sou mineiro de Caratinga e quase não estudei. 

- O exame da Bruna fica pronto amanhã! É preciso buscar, avisa a médica.

Ele vai ao balcão e me presenteia com as músicas que já compôs. 

- O senhor pode autografar? 

- Amanhã. Vou escrever uns versos! Agora você está com pressa!

A menina puxa com insistência o cantinho da minha roupa:

- O que é ímpio?

- É quem não tem esperança, quem desrespeita a fé, explica o senhor que aprende com as paredes.

- Antes de ir, ainda leio mais uma última frase pregada:

- "E agora, aonde a senhora vai? Eu vou para frente, mas de vez em quando olho para trás!"



O céu de cada um

Pintura de René Magritte

Volto trazendo um céu. 


Poetizamos, profetizamos, filosofamos e descobrimos um céu. Sem ele, não haveria graça na Terra. Seríamos desnorteados em busca de inspiração, de uma verdade.

O nascer e o morrer compõem um ciclo. O céu faz a poesia brotar, o céu faz o poeta chorar.

"Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?" (Manuel Bandeira)

Sei que satisfaço-me com o dia. Sei que satisfaço-me com a noite. Será que alguém passa a vida sem enxergar um céu? Assim como há os que passam a vida sem descobrir a certeza ou a incerteza? Sim, a negação é algo a ser notado. 

E o universo pode ser finito, infinito ou puramente relativo, nem finito nem infinito. É um tudo depende. 

Mas sei que ele termina quando acaba a invenção de cada um. E sei que pode começar no tempo e no espaço do acordar de cada um. 

Não há mistério, não há por que se assustar: a ciência avança quando se faz poesia!





No sufoco!

"O silêncio desses espaços infinitos me apavora." 
Blaise Pascal



* Preciso escapar da forca esta semana!

Dose dupla, por favor!


Imagem do Google

Se o vício fosse beber, ela chegaria sem pudores ao balcão e pediria uma dose dupla com todos os por favores que a paciência pode clamar. 

Como saber qual o caneco correto? 

- O meu é o que tem o coelho com cenoura!

Então é preciso decorar com urgência para evitar a briguinha entre as gêmeas. Uma só toma leite com chocolate. A outra prefere leite com café.

- Você errou de novo, mamãe! Até hoje não sabe que o meu leite com chocolate é frio! O café com leite é que deve ser quentinho...

É preciso fazer outro leite porque não vai dar tempo de esfriar. Elas precisam dormir logo. No outro dia acordam cedinho. Leites entregues, o quente e o frio no caneco correto. 

- Escovaram os dentes? Vamos rezar? Pacientemente, ela conta a história da noite. Elas nunca aguentam acordadas e no outro dia vão querer saber o final...

Dormem como anjinhos e a mãe sobe as escadas. Em cada degrau, vê as gotas brancas do leite derramado. Dá para pedir um dia de folga no Dia das Mães? 

Então ela lembra da própria mãe, a calma em pessoa. Só uma vez viu-a perder a paciência. Pudera. A menina estava em pé sobre a mesa da cozinha, copo na mão como microfone, e cantava e cantava.

- Minha filha, você canta tão bem que devia levar a sua música lá para a rua. Suas amigas vão adorar!

- Não, mamãe, vou continuar aqui, cantando só para você! Lá-rá-lá-lá...

Ela então vai ao balcão, da cozinha mesmo, e capricha na dose dupla do suco de maracujá. Sabe que amanhã, ganhará os beijinhos e sorrisos mais gostosos do mundo. 

Arquivo pessoal


Feliz Domingo das Mães!

De passagem

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Enquanto espera, ela entra num café entre livros velhos. Pede um cappuccino italiano. Só dois homens ocupam solitários duas mesas, imersos em seus mundos de leitura. 

O ruído é de arrumação. Ainda é muito cedo. A livraria tem cheiro de páginas lidas e ela resgata da estante um livro. Ri sozinha da coincidência. Traz nas mãos uma obra da mesma escritora, em francês. E agora esse outro, Le ravissement de Lol V.Stein, puxa-a como imã. 

Leva-o como companhia para a mesa do café. Folheia-o, lê a orelha, esbarra na frase dita pela escritora em entrevista ao jornalista da revista:

"... diante de um bom escritor, a gente nunca sabe aonde ele quer nos levar." 

Mais uma vez ela ri, sozinha, da coincidência. Experimenta o cappuccino servido, mas o celular toca insistentemente! Ela precisa ir...


A fé das crianças

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Estamos em maio. Mês das mães, mês da aparição de Nossa Senhora do Rosário a três crianças em Portugal: Lúcia, 10 anos, Francisco, 9, e Jacinta, de 7. A visão exigiu sacrifícios dos pequenos, revelou sofrimentos da guerra aos seus olhares até então ingênuos. Mas os pequenos resistiram pela fé, sabiam que subiriam ao céu. Nossa Senhora aparecia sobre uma azinheira de pouco mais de um metro de altura. 

Confesso a todos que não tenho religião, o que não quer dizer que não acredite em Nossa Senhora e na iluminação plena a que todos nós chegaremos um dia. Da maior favela do Distrito Federal, Sol Nascente, surge a promessa da renovação da fé para todo o mundo. 

Mas temos de nos proteger das enganações. Aos padres que anunciaram ter visto Nossa Senhora sobre uma árvore do cerrado e que o galho sob os seus pés teria se transformado em gelo como prova aos descrentes, sobrepõe a explicação científica: trata-se de um ninho construído por certo tipo de inseto. 

De tudo isso, só sei que precisamos acreditar que podemos ser melhores. Façamos um mundo melhor para as crianças. Elas não mentem, não se enganam. Terão elas de se sacrificar novamente pelos homens? 

Foto: Correio Braziliense

Assim, ao léu

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I
Ultrapassado o cansaço,
até o suor desiste.

II

- Não era eu, não. Não faço exercício por princípio!
...

III

Margarida quer muito se casar,
mas arrasta a mala pra lá e pra cá.
Em cada canto encosta a solidão
quando tem alguém pra conversar.



(*) III -  Inspiração Le Square/Marguerite Duras

Beleza gris

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Gris, gris ... o que seria gris? Desafiada ao ler a palavra na capa do novo livro, recorri ao Google. Poderia ser mais que uma palavra estrangeira, uma óbvia para me envergonhar. Tecla aqui, passa os olhos nos significados, nas imagens. 

Então descobre que gris é uma espécie de esquilos. Bichinhos tão ariscos, difíceis de fotografar, mas tão lindos... No Hemisfério Norte são tantos quanto são comuns por aqui os nossos calangos de jardins. Com a diferença de beleza que pode não agradar a alguns muitos. 

Fiquei à espera do livro, com autógrafo, que pedi para a autora, amiga virtual. As Crônicas Gris chegaram com a moça linda e sem cabelos na capa. A imagem inquieta. Fui lendo, lendo e sem perceber cheguei ao fim. Não havia um só esquilo poeta. Gris é de grisalho, cabelo, cabeleira que cresce e envelhece.  Simples assim. 

Por isso, confesso aqui que tenho uma amiga esquilo. Ela é o Tico. E eu o Teco. Ou vice-versa, nunca decorei. Sou desligada ao extremo de não ter percebido a associação tão óbvia. As três primeiras crônicas justificam e esclarecem o título do livro e nos deixam a lição de que a vida é muito mais importante que toda a vaidade da nossa cabeleira, seus cortes, volumes, cores. 

Sintam o vento, sintam a vida, dispam-se da vaidade. Sensível percepção de Ana Paula Amaral que não escreveu um livro, mas traduziu sua alma, seu amor pela família, pelas coisas simples e valorosas. Apresentou-se gentilmente ao leitor. 

E se é para brincar de escolher uma crônica, fico com as mãos de Eugênia que carregam viva o frescor do amor recolhido e distribuído ao longo dos anos. Que importam as pintas, as rugas, os fios brancos? A vida é linda porque tem um começo e um fim. Que sejam eternas as nossas lembranças, escritas ou não.

Tentei achar a música de Elizabeth Woolley, que traz versos de Ana Paula: " Busco uma melodia para nos envolver/ uma melodia apenas/ com ausência de letra." 

Como não achei, vale a intenção? De presente para a delicada Ana Paula: 





Beleza de ver e ouvir

Arquivo pessoal
 
Às vezes a beleza nasce do coletivo, da soma dos homens com a timidez da natureza. Cada um, cada qual, uma nota, numa cadência de embalar os olhos. Um fim de tarde de domingo, famílias e pessoas de todas as feições, coloridas, almas leves, subindo o morro de grama verde, o céu ainda azul. 

Faltava menos de meia hora para a música começar, não fosse o habitual atraso brasileiro. Um peregrino, viajante, sonhador, sei lá, deitou-se no chão da praça. Fez do cobertor enrolado o travesseiro e ficou lá à espera, sem pressa, já em estado de encantamento.

Duas meninas subiam o galho torto de uma árvore típica do cerrado. Divertiam-se como se estivessem num balanço de verdade. E era melhor, bem melhor. Era um balançar verde no braço áspero que não machucava. Da pureza que as envolvia soou a música da alegria que perdia-se na multidão. 

Outras crianças brincavam, pulavam corda, um bebê engatinhava pela grama sob os olhares felizes do pai. Uma família tirava do isopor as linguiças e improvisava ali, sobre um banco de concreto, o churrasquinho. A fumaça cheirosa subia ao céu.

O homem do carrinho não gritava para anunciar que o picolé da Kibon era vendido a R$ 5, o mesmo preço da batata frita caseira. Famílias mais descoladas levaram cangas que estendiam para as crianças descansarem. A menina sem canga ajeitava-se sobre os sapatos da mãe e reclamava. A mãe sorria, acalmando-a:

- A música já vai começar.  

Outros, amantes da  fila, esperavam pelo chapéu, balão azul e um frasco de água doados pela empresa patrocinadora do show. E Vanessa da Mata chegou ao palco, de branco, flor no cabelo, a voz linda a cantar os versos de Tom Jobim.

- Depois dos Beatles, ele é o mais gravado em todo o mundo. 

Quem disse foi ela, Vanessa da Mata. Eu só posso garantir que foi um presente e tanto a Brasília. Gratuito, unindo o bom gosto do pobre e do rico no parque central da capital. 




Encontro de talentos lembrado no 
telão do show em homenagem a Tom Jobim

Jardim secreto

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Você acha que é importante ter um hobby nessa nossa sociedade atual? 

Se você não tem um jardim secreto vai encontrar-se perdido num labirinto sem ideias! E se você gosta de tantas coisas ao mesmo tempo estará também perdido, atropelado por si mesmo.

Para ter um hobby é preciso ter tempo para torná-lo um prazer puramente desapressado! 

Já imaginou dedicar-se a um hobby sem tempo? Não será um hobby, será mais uma tarefa a cumprir com a atenção grudada no cronômetro. O hobby será a obrigação de um refúgio, não terá a finalidade de um tempo sem ponteiros.

Ter um hobby é ter uma filosofia de vida nessa sociedade atual. É saber parar, pensar, e abraçar com a alma renovada o tempo que virá. 







Bom fim de semana com toda a tranquilidade 
para viver bem essa vida! 


Duelo musical

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Um dia desses os dois decidiram fazer um duelo. Ela mostrava um trechinho de uma música da seleção pessoal, e ele apresentava-lhe uma das suas. Descobriram que tinham gostos comuns e outros muito diferentes, que nem um e nem o outro jamais ouviria. 

"Essa eu nunca baixaria", ainda pensava, quando ele aumentou o volume de uma música, afirmando ter tudo a ver com ela:

- Você é a Mônica. Gosta de ler demais, gostava dos filmes do Godard. 

- Sim, mas não sou mística, não tenho moto. Não sou essa da música da Legião Urbana. 

Passam alguns instantes e lá vem ele com outra música. Essa lembra a gente, no início. E surge o Barão Vermelho com Carne de Pescoço. 

- Viu, sou carne de pescoço, mas você conseguiu!

Surpresa, ela confessa ter detestado a música.

- Poxa, achava que nossa música do Barão Vermelho era aquela em que por mim você iria a pé do Rio a Salvador? 

Ele balança a cabeça para concordar: 

- Eu vou. Eu vou. Não se lembra que já fui até naquela exposição do Yves Saint Laurent?

- Foi, é verdade, mas ficou o tempo todo lendo jornal...

Concluíram que era melhor cada um pôr o seu próprio fone de ouvido para não iniciarem um duelo de verdade.

Então ela lembrou do primeiro duelo musical dos dois. Haviam trocado CDs. Ela emprestou Madredeus, grupo português que canta fados. Ele passou-lhe a voz grossa da roqueira Cássia Eller. Dois dias depois, destrocaram os CDs.

- Esse seu CD é muito ruim, sabia? 

Ela não gostou nem um pouco do comentário. "Carinha mais grosseiro", mas mesmo assim aceitou o convite para ir a um show dos extintos Raimundos. Quase morreu!

"E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz"