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A paz em nós

Foto: arquivo pessoal
As lágrimas nasciam incessantemente dos olhos já inchados e iam morrer no chão em que pisava pela primeira vez. Uma tristeza imensa fazia o coração murchar e ela insistia em caminhar sem reparar nas casas simpáticas, algumas construídas de madeira, dois pavimentos, jardins à porta, num convite cheiroso. Pareciam desabitadas. Os moradores deviam ainda estar dormindo naquela manhã gelada de domingo. 

Só então ela reparou que havia quase ninguém na rua. Para aonde iria? Estava com fome, mas a vergonha das lágrimas não a deixava entrar e sentar-se num daqueles cafés, saciar-se com capuccino fumegante e um croissant com cream cheese. Avistou com os olhos embaçados a torre de uma igreja. Talvez encontrasse conforto ali, embora a vontade fosse de sentar-se num cantinho da rua, achar-se escondida à vista de todos, como os mendigos que carregam tão bem a sua dor, e chorar tudo de uma vez.

Queria um colo de mãe, mas lembrou-se que nunca o tivera seguro. A mãe também precisava de colo. Estava tão sozinha, a dor já extrapolava o corpo e espalhava-se pela vizinhança. Olhou o horizonte, havia a torre da igreja. Sabia apenas que devia seguir naquela direção. As torres serviam como oriente aos perdidos como ela. 

A dor impedia o cansaço. Ela havia andado e andado, mas quanto? Em frente à porta da igreja havia uma praça, parecia aos poucos sendo preenchida por quadros de artistas locais. Uma rotina que parece se repetir em cidades de todo o mundo. Por um segundo apenas, ela se esqueceu das lágrimas. 

Mas a tristeza latejava no peito, era maior que a alma naquele instante, e ela entrou na igreja. Encolheu-se no último banco de madeira, olhou para o alto, buscou Deus. Não achou. Encontrou Nossa Senhora com as mãos delicadas a proteger o coração. Um sacerdote oriental com túnica vermelha olhou para os olhos marejados da nova fiel, que não tinha desenho puxado, e afastou-se sem dizer nada. Ela havia assustado-o com a sua dor. 

Antes, um pouco antes,um outro oriental havia entregado-lhe, sorrindo, um folheto. Aquele ato de amor ínfimo, gratuito, irrigou-lhe a fonte de lágrimas que já não eram pingos constantes, mas um riacho fino traçado na face. Ela tinha agora nas mãos um folheto de cânticos em desenhos bonitos da língua chinesa. Como pode, um povo desenhar poesia em cada letra? Dois textos apenas tinham tradução para o inglês, mas não tinham sentido algum.

Ela deixou-se ali por algum tempo. Tentou achar a felicidade, mas eles eram tão distantes... Estavam todos lá na frente, na igreja grande demais, e as orações não chegavam até ela. Era melhor deixá-los na sua paz.Ela só destoava. Olhou para trás, a porta da igreja havia sido fechada. Onde era a saída? 

Dirigiu-se para lá, um oriental na porta não entendia o seu inglês. Só sorria, mãos postas, um sorriso tranquilo. Ela insistiu. Precisava sair da igreja e queria saber qual era a porta. Ele então entendeu, abriu a porta, curvou-se para ela, reverenciando-a. Homem mais simpático, pensou.

A manhã não tinha sol e nem vento, o movimento na praça dos artistas ainda era fraco. Uma pessoa passeava com o seu cachorro, outra lia jornal na praça, uma das mãos ocupadas por um copo com bebida ainda quente. Ela decidiu ver as telas. Diante da primeira, uma mensagem de Buddha explicava o trabalho da artista: "Peace comes from within. Do not seek it without".

Ela acalmou o coração, levou as mãos ao rosto para enxugar as últimas lágrimas e retomou o caminho. Já poderia voltar. Encontrara a paz.




Um ótimo fim de semana para vocês!

6 comentários:

  1. Inútil procurá-la fora, não é mesmo.

    Senti uma inexplicável paz ao final, acho que a paz é contagiante...

    Ótimo final de semana para você!

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  2. Sim a paz é contagiante!
    E sim a paz e td mais está dentro de nós, não vemos e não lidamos com as coisas como elas são e sim como somos, penso eu.

    * Amei a foto :)

    Sobre seu comentário lá na limpeza das praias, respondi, passa lá depois pra ler.

    Sobre as gêmeas e vc e Lincon, torcendo para dar certo de vc ir ver eu tô querendo ir de novo, mas o preço do cinema e outros filmes na lista me dizendo que deixe pra qd vier pra Sky.

    Bjos querida!

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  3. Rovênia, eu não a abandonei! Mesmo que não comente, leio suas postagens. Adoro o seu modo de escrever e vejo você uma pessoa muito inteligente.
    Seria eu muito pouco inteligente se a abandonasse (Quem estiver lendo isso e estiver por fora do assunto, kkk! Vai ficar muuuuuito intrigada(o)). Estou na correria, mas volto logo ao normal.
    Um abração
    Manoel

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  4. Provoca uma certa tristeza durante a leitura e vamos nos entregando as situações vividas e é como se a Paz chegasse mesmo em nós.
    Adorei Rovênia
    e o vídeo uma beleza _ a Paz a leveza o frances sonoro _ a felicidade!
    boa semana

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  5. Paz interior é difícil de se encontrar, mas esse texto é bastante inspirador..Amei. Abraços.Sandra

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  6. seu texto é contagiante. Que tom gostoso, que paz.

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