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Aleostro Peixoto - Clínica Villas Boas/arquivo pessoal |
A espera para fazer um exame médico é uma chatice. Nem livro na bolsa, nem internet nas mãos. O jeito era olhar as paredes. A opção que restava foi maravilhosa. Era uma espécie de clínica-museu, com incontáveis pensamentos e imagens para admirar no tempo de espera.
Não aguentei. Pedi caneta emprestada ao senhor e anotei uma frase no único papel rabiscável dentro da bolsa. Era uma conta qualquer:
- Os ímpios fogem sem ninguém a persegui-los."
Atrás do balcão, os olhos expressivos de refugiados da guerra, da fome, do mundo. Um elefante se ajoelha diante do menino que lê. Desenhos de todas as formas de rezar. As águas encantadas de tão belas do Lago Titicaca.
- Bruna! Sua vez.
Enquanto a menina tira o raio-x da mãozinha, encontro Frank Sinatra numa fotografia em preto e branco, só os olhos são azuis. Ele já foi preso por sedução e adultério? Que fantástico isso... O caso ocorreu em 1938 e ele, com 23 anos, tinha prometido casamento à reclamante. Ainda lia quando o senhor vigilante interrompeu:
- Você encantou-se com os quadros nas paredes, não é?
- Sim, sim e sim. E ele conta-me a sua história e a do museu de frases e imagens que descobri na clínica médica. O diretor viaja muito, traz sempre novidades, troca os quadros sempre porque há vários guardados numa sala que ninguém entra.
Ele então me mostra o quadro que mais gosta, uma singela estrada de terra, duas casinhas de madeira no horizonte, o vento que não gira o moinho e faz tudo parecer tão parado.
- Escrevi uma canção para esse quadro, sabe?
- Ah, o senhor é poeta?
- Não estudei, mas toco violão e escrevo uns versos.
- Fale para mim então um verso que esse quadro te inspirou:
- Sigo nesta estrada da saudade
acelerando meu carro
na esperança de te encontrar!
- Que lindo! Qual é o seu nome?
- Aleostro Peixoto. Tenho 67 anos, sou mineiro de Caratinga e quase não estudei.
- O exame da Bruna fica pronto amanhã! É preciso buscar, avisa a médica.
Ele vai ao balcão e me presenteia com as músicas que já compôs.
- O senhor pode autografar?
- Amanhã. Vou escrever uns versos! Agora você está com pressa!
A menina puxa com insistência o cantinho da minha roupa:
- O que é ímpio?
- É quem não tem esperança, quem desrespeita a fé, explica o senhor que aprende com as paredes.
- Antes de ir, ainda leio mais uma última frase pregada:
- "E agora, aonde a senhora vai? Eu vou para frente, mas de vez em quando olho para trás!"