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Capítulo II – Acaso dos cadarços


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            E se não fosse um sonho? E não era. Eu sabia muito bem disso. Tive dois ataques de medo. Minha mãe já havia morrido. Nem esse consolo eu tinha. Morava sozinho e era sozinho. O sujeito carrancudo arrancou-me de minhas conjecturas e me jogou dentro de seu carro, que partiu com um barulho insuportável dentro dos meus ouvidos. Só tive tempo de observar um cadáver ser carregado para o outro carro, que partiu na frente.
            Pensei que estavam atuando em um filme qualquer: o mocinho morto e o vilão preso. Pensei novamente e concordei comigo que não teria dado muita bilheteria. Estava sozinho e era sozinho. Então pensei em morrer de novo. Era tudo real e, pelo visto, eu era o vilão.
            Chegamos. Era um penitenciária. Nunca tinha visto uma por dentro. Era nojento. Tive vontade de vomitar, mas só iria piorar o seu estado. Um homem, mais carrancudo que aquele que me escoltava, olhou-me: primeiro para meus pés e depois para meus olhos. Então estremeci. Alguma coisa estava errada. Era o segundo que agia assim.
            Porém, desta vez, não olhei para os seus pés. Abaixei a cabeça e reparei nos meus. Minha nossa! Não sei se cheguei a dizer isso,mas meus sapatos estavam ensanguentados e sem cadarços. Foi quando me dei conta que também minhas roupas estavam pingadas, aqui e ali, de sangue.
            Não tinha ainda acabado minhas conjecturas quando me levaram para uma cela ainda mais nojenta. Então não hesitei: vomitei. Pude notar apenas alguns olhos sem donos me observarem por todos os lados. Estremeci novamente. Eu era um assassino? Não era possível. Acreditava em Deus e no Espírito Santo. Eu era um assassino...
Não. Eu não era um assassino. Devia estar louco ou tendo um pesadelo. Dormi aquela noite ali, em meio à sujeira e ao ser odor. Tive vontade de nunca abrir os olhos e dormir eternamente. Ou então de abri-los e sentir o ar puro e fresco da manhã passada e de atrasar constantemente os ponteiros para não chegarem nas dez horas e começar tudo de novo.
A minha cabeça doía, quando alguém entrou na cela e me enxotou para uma sala escura onde havia alguns carrancudos que me olharam com veemência e medo. Alguém foi a um canto, puxou uma espécie de gaveta e fez sinal para o carrancudo atrás de mim. Esse me dirigiu ao encontro da gaveta e senti que minhas pernas desapareciam.
O cadáver tinha um sobretudo, um cachecol xadrez em vermelho, preto e branco e as mãos agarradas ao pescoço. Um dos carrancudos tirou-lhe as mãos em volta do pescoço e afroxou-lhe o cachecol: o pescoço havia sido brutalmente afinado por um par de cadarços. Havia sangue nos cantos da boca.
Fiquei horrorizado, mas calmo, muito calmo... Não dava para acreditar, simplesmente não dava. Não mais tive vontade de morrer. Já não tinha forças.
Agora passo os dias aqui, refletindo, lembrando o dia de chuva, das crianças correndo com os braços abertos. E, aqui, nem o barulho dos pingos me deixam ouvir. Vivo com um barulho insuportável nos ouvidos. Imagino que logo cai mais um pingo e outro. Num instante são centenas... aqui e ali.

2 comentários:

  1. Obrigada por seguires ^^ Conheces alguns lugares de Portugal que nem eu conheço xD Já eu nunca fui ao Brasil =|
    Um beijinho do outro lado do Atlântico*

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  2. Fabuloso, Rovênia.

    Gostei do desfecho.

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