Páginas

Translate

Flor de diamante

Adoro quando uma leitura é sugerida por um grande escritor. Ao ler Esforços do Afeto,  Elizabeth Bishop deu-me a dica de Minha vida de menina, de Helena Morley - na verdade, o pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant. Achei a raridade num sebo virtual e voltei ao Brasil de 1893. Bishop apaixonou-se tanto pelo diário que a menina Helena escreveu dos 12 aos 15 anos, que insistiu com os seus editores nos Estados Unidos para que publicassem a sua tradução em inglês. 

Filha de um minerador inglês que não conseguia lavrar um diamante de grande valor em Diamantina, Helena teve uma infância muito pobre e encantadoramente rica. Os seus dias cheios de alegrias, tristezas, personagens da história do Brasil que viviam a abolição da escravidão eram escritos vorazmente por incentivo do pai e apreço da avó. 

Por seu valor histórico e literário, Minha vida de menina já havia sido elogiado por Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. Vou deixar, é claro, registrado neste post um trecho para vocês se deliciarem, mas se não tivesse lido Esforços do Afeto não teria informações detalhadas de Alice velhinha e feliz. 

Bichop conta que quando chegou ao Brasil, em 1952, perguntou aos intelectuais quais livros brasileiros deveria ler. Recomendaram-lhe contos e romances de Machado de Assis e Os Sertões, de Euclides da Cunha, e o livrinho de Helena Morley que havia sido publicado em 1942 - uma tiragem de dois mil exemplares para a família e os amigos da autora.  O sucesso foi enorme e em 1944, 1948 e 1952 saíram novas edições das história da inglesinha de Diamantina, de sardas no rosto.

Sobre o livro diz Bichop: "Quanto mais lia o livro, mais eu gostava dele. As cenas e acontecimentos nele relatados eram estranhos e remotos no espaço e no tempo, e no entanto não haviam perdido o frescor; eram tristes, engraçados e eternamente verdadeiros."  A poetisa norte-americana quis conhecer Helena e Diamantina. Passeou pelas ruas da cidade histórica de Minas Gerais como a reviver os diários da menina que lhe renderam um encantamento de leitura. 

Bichop foi apresentada à Morley pelo poeta Manuel Bandeira. Dona Alice (Helena) morava no Rio de Janeiro, num casarão na Lagoa. Era casada com Augusto Mário Caldeira Brant, na época presidente do Banco do Brasil pela segunda vez. 

"... então dona Alice entrou. É uma mulher grande, muita alta para uma brasileira; aparenta menos que sua idade (setenta e seis anos); os cabelos não estão ainda inteiramente brancos; o rosto é bonito e cheio de vida, com malares proeminentes e dois olhinhos castanho-avermelhados, pequenos mas extraordinariamente reluzentes e alegres ". (Esforços do Afeto, pag. 108).

Os relatos de Helena terminam antes do namoro com Augusto Brant. Não que ela não tivesse escrito sobre isso. Segundo Bishop, "o doutor Brant só publicou os diários até um determinando ponto porque no ano seguinte ele aparece neles, pede a mão de dona Alice em casamento e é aceito. 

"...Aos dezessete anos de idade, Helena já havia recebido cinco propostas de casamento de mineiros 'estrangeiros' radicados em Diamantina. Seguindo a tradição brasileira, escolheu um brasileiro que era seu primo, e, aos dezoito anos, casou-se com doutor Augusto Mário (...). Estou certa de que ela jamais lamentou, por um instante sequer, ter rejeitado as outras propostas, e sua história é uma das poucas que combinam sucesso material e final feliz".




Ficam as dicas de leitura e segue o trechinho que separei do livro de Helena Morley:

" ... Nisto, o que foi que elas viram? O capeta arrastando por detrás do altar o corpo da desgraçadinha. Sabem por quê? Porque a menina escondeu um pecado no confessionário.

Quando ouvi isso caí num pranto que espantou a todos. Padre Neves correu para saber o motivo. Eu disse: 'Escondi um pecado no confessionário'. Padre Neves com meiguice consolou-me: 'Não se aflija, minha filha; venha contar o pecado que Deus lhe perdoa e você poderá comungar'. Respondi: 'Quero contar o pecado a outro padre; ao senhor, não'. Sempre com meiguice ele segurou-me as mãos dizendo: 'Não pode ser, filhinha; você confessou comigo, será a mim que terá de contar o pecado. Não se acanhe, que padre é para ouvir tudo. Venha. Eu viro a cara, você conta num instante e sai.'

Levou-me para um canto da sacristia e, acarinhando-me, ia me obrigando a confessar. Ainda soluçando e horrorizada do que ia dizer curvei a cabeça e disse baixinho: 'Eu me acuso de achar um padre muito feio'. Padre Neves respondeu: 'Isso não é pecado, minha filha. Que mal há em achar um padre feio?' Aí tomei coragem e disse: 'Mas o padre é o senhor mesmo!'

Padre Neves largou-me as mãos e levantou-se exclamando: 'Sou feio mesmo, e que tem isso? Não posso com meninas tolas! Levo o ano inteiro pelejando em prepará-las para a comunhão e no fim vem ao confessionário dizer-me que sou feio. É demais!'". (Minha vida de menina, pag. 334-335).



12 comentários:

  1. Adorei a dica de leitura. Não conheço e deve ser lindo! beijos,ótima semana,chica

    ResponderExcluir
  2. Já pus na lista.

    Obrigadinha.


    Boa segunda!


    Beijo

    ResponderExcluir
  3. Tenho tantos livros na minha lista, só na biblioteca do meu iPad eu tenho mais de 1000... a vida é tão curta pra tantos livros interessantes.

    Kisu!

    ResponderExcluir
  4. A fila tá tão grande, que atualmente considero qualquer indicação uma afronta direta :P

    bjos

    ResponderExcluir
  5. Vamos lá!!!
    Gostei das dicas e acredito que lerei, gosto de indicações.
    bjs e excelente semana!
    Ritinha

    ResponderExcluir
  6. Se foi delicioso ler o trechinho que você nos presenteou, imagino ler tudo, deve ser como chupar jabuticabas no pé deixando elas estourarem no céu da boca, cada página deve ser mais docinha que a outra, tloc, ploc, tloc...

    Ótima semana!

    ResponderExcluir
  7. Linda dica Rovênia,adorei.
    Bjs

    Carmen Lúcia-mamymilu.blogspot.com

    ResponderExcluir
  8. Oi Rovênia
    lembra de mim? rs ando bem sumida...mas sempre volto aos bons lugares_ os inesquecíveis.
    Também gosto muito de leituras recomendadas e se vem assim com um bom resumo fica mais instigante_vontade conferir.
    Vida de menina e diários é quase como o primeiro amor todos nós temos um ,não é? acho q vou gostar também.
    E sobre Elizabeth Bishop vem aí um filme sobre ela e parece bem interessante _ 'flores raras' um nome mais ou menos assim _ claro que vamos ver também!!
    É Rovênia bom mesmo é me animar vindo te ler e comentar porque faz tempo que ando hiper distante da net_ sem nenhum entusiasmo que me ajude a blogar.
    Tomara que a saudade me faça retornar.
    um abraço e muitos bons dias tá?

    ResponderExcluir
  9. Gostei das dicas tanto quanto o do comentário do Moacir! Você nos adocicou a vontade!
    Bj

    ResponderExcluir
  10. Muito interessante, Rovênia. Uma boa indicação. BJos.

    ResponderExcluir
  11. Rovênia, você sempre nos dá dicas maravilhosas de leitura.
    Esta também está registrada.
    Obrigada.

    ResponderExcluir

Faça o seu comentário!