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Hora de ir embora




Ela era estudante de mestrado em biologia, loura, bonita e inteligente. Vinha de Porto Alegre para estudar na capital federal. Na terra natal ficou o namorado que conhecera havia 13 anos e com o qual ela se casaria anos mais tarde.

A menina do interior de Minas, caloura na universidade e na vida, tornou-se a melhor amiga. A gaúcha gostava da sinceridade da mineira. Todas as vezes que ela retocava a pintura do cabelo, vinha sobressaltada à procura da adolescente de 18 anos:

- E aí? Ficou bom?  

A mestranda sabia que a menina contaria, com a naturalidade peculiar da pouca idade, a mais pura verdade. Ainda que fosse aquela verdade que ela, no fundo, não quisesse ouvir.

Pois bem. Um dia a mestranda revelou o seu mais íntimo segredo para a menina. Ela incorporava um preto-velho e que não precisaria se assustar quando presenciasse o fenômeno.

Numa noite, após um tremelique da amiga mais velha, ele veio.  Rondou o apartamento onde as duas estudantes moravam e olhou a menina assustada, enrolada num edredom azul florido, e pediu um favor:

-  Minha filhinha, você pode buscar no criado mudo, ao lado da cama da sua amiga, um cigarro e o isqueiro?

- Onde mesmo?

- Está na gaveta do criado-mudo, ao lado da cama onde a sua amiga dorme.

A mineirinha foi até o local indicado e buscou a encomenda. Entregou-a ao preto-velho, que acendeu o vício e se satisfez bufando a fumaça. Depois, olhou novamente, para a menina e apontando para o relógio que ela trazia no braço, quis saber:

- Minha filhinha, você pode me dizer quantas horas são?

A mineirinha estranhou a pergunta, pensou uns instantes, daqueles impossíveis de medir, e devolveu uma pergunta:

- Mas, como o senhor conseguiu ver o local onde estavam o cigarro e o isqueiro e não consegue ver quantas horas são no meu relógio? E por que o senhor quer saber as horas? Tem hora para voltar?

O senhor preto-velho sorriu e não respondeu:

- Você é uma pentelhinha.

Instantes depois, foi embora.

5 comentários:

  1. Vim depressa ver quem era a Rovênia ... rs e que bom poder conhecer mais pessoinhas que faz da arte de escrever a maneira mais simples de ser feliz e fazer outros felizes.
    Sim, adorei o conto do preto-velho e a inteligência da pentelhinha .
    Muito delicadamente escreves ,nem fiquei com medo ... rs
    um grande abraço e dentro do possível _ depende as vezes do implacável tempo, veio ler e te ver(?)
    abraços e obrigada pelo prazer que me proporcionou indo lá.

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  2. Rovênia, gostei da percepção aguçada da "pentelhinha".
    Muito legal.
    Bjs
    Manoel

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  3. Gostei do seu texto.


    Passando pra conhecer!!!


    bjsMeus
    Catita

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  4. Oi Rovênia. Que conto este hein! Muito bom. Suave... Gostoso de ler!!! .)

    Um beijo grande!!!
    Ave que tô virando sua fã! (rsrsr)

    Abreijo!

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  5. ha coisas que so se veem no escuro, outras so se deixam de notar no claro...

    Gostei da prosa!

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