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A fraqueza no poder

 
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Quando ela era criança gostava de ficar olhando os bichos no chiqueiro, na fazenda do avô. Eles gostavam de abóboras que eram jogadas inteiras. E tudo que ela queria era pegar um bicho de pé. Todos os primos já tinham tido e ela não achava justo. 

Diziam que dava uma coceira boa no pé. Espiou para os lados, a mãe e a avó nem prestavam atenção nela. Então tirou as botas e subiu no muro do chiqueiro. Ficou andando pra lá e pra cá até as duas notarem. Deu certo. Teve o seu bicho de pé e nunca mais quis levar espetada de agulha no dedão. 

Mas essa história toda aí acima é para dizer que anos mais tarde ela descobriu que no horóscopo chinês ser porco é ter humildade e sabedoria. É um animal inteligente, sabiam?

Talvez se Stálin e Trotski compartilhassem dessa mesma admiração, os comunistas não teriam se assustado tanto com o clássico A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Quem leu precisa reler, pelo menos uma vez, essa sátira atemporal. E quem não leu, pode até morrer sem pegar bicho de pé, mas deixar a obra-prima mofar na estante é um crime!  

O final do livro é uma filosofia atualíssima para repensarmos nossa sociedade, entender a utopia que dividia o mundo na Segunda Guerra Mundial e que uniu Inglaterra e União Soviética contra o nazismo. Em troca do apoio, a sociedade britânica elitizada, que viu nascer o capitalismo nas suas fábricas, não enxergava a ditadura stalinista. 


Em 1945, escreveu o jornalista no prefácio para a primeira edição inglesa do livro: "A lealdade acrítica à URSS transformou-se na ortodoxia do momento, e sempre que os supostos interesses da URSS estão envolvidos, nossos intelectuais se dispõem a tolerar não só a censura como a falsificação deliberada da história."  



Os muros desabaram sobre as utopias capitalistas e socialistas, mas vivemos cercados por outras cegueiras sociais e políticas nesta primeira década do século XXI.  Precisamos de novos modelos, porque até agora os pensadores clássicos parecem resumir nossas ignorâncias recicladas. No poder, todos se encantam demais, se corrompem e se esquecem dos ideais igualitários. Nunca houve revolução de fato, de alma. 

Na visão de Orwell ser porco é como ser homem. Sem diferença. São as fraquezas humanas tão bem representadas pelos porcos intelectuais que tomaram a liderança (o poder) na Granja do Solar:


"Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora (os bichos da Granja do Solar) olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco." 
 









8 comentários:

  1. Sem falar que Orwell não esquece nenhum pormenor, poupando complexidade, Lênin não entra na história, mas não se esquece das músicas, das manipulações estatísticas dos resultados, da exploração, da desigualdade entre os que mandam e os que obedecem, dos mandamentos que todos devem seguir etc. Vale dizer, que o livro foi publicado muito antes de Nikita Khrushchev desmascarasse o facínora Stalin, cujo processo ficou conhecido como desestalinização.



    ótima lembrança de leitura.


    (sou porco no chines rs)


    beijo

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  2. Textos sempre muito bem escritos, além de temas surpreendentes. Adorei a citação. Não li ainda esse livro, mas lerei assim que eu terminar de passar pelas imensas nove leituras obrigatórias do vestibular. Estou preparando uma lista pessoal de obras que não parto sem ler. Meio estranho isso, é. Mas quanto maior a lista, mais certeza terei de que não haverão grandes espaços sem leitura na minha vida. Mesmo que alguns fiquem para trás.

    Bom, lendo seus escritos, fui procurar meu animal do horóscopo chinês. Deu cão. Depois dei uma passadinha pelo porco para conhecer mais sobre. Achei essa passagem:
    "Este é um signo de personalidade forte, com uma força interior extraordinária, apresentando-se sempre cercado por uma aura de mistério que o torna diferente dos outros
    (...)"
    Interessantíssimo.

    É uma honra te receber em meu espaço.

    Grande abraço!

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  3. Adorei teu texto e essa citação vale como indicação e chamariz ao livro! beijos,tudo de bom,chica

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  4. Hahahaha! Você me fez voltar ao passado. Eu morava na fazenda e adorava pegar bicho de pé, rs. Beijo, Rovênia!

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  5. Obrigado pela sugestão de leitura. Li há muitos anos atras e, com certeza, hoje vou compreende-lo melhor. Meu pai, que era fazendeiro, dizia que se quiséssemos conhecer como era um homem por dentro devíamos abrir um porco. São idênticos, afirmava. Agora vou lá no horóscopo chinês descobrir o meu bicho.

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  6. Rovênia, bacana a sua postagem. Muito boa a dica do livro. Eu particularmente acredito que esse livro não se dasatualiza porque o homem não muda. Seu exterior sofre mutações para melhor ou pior, mas o seu interior não tem se modificado. Claro que temos excessões, graças a Deus!
    Um grande abraço
    Manoel

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  7. Texto magnifico de um livro magnifico. É interessante como essa obra valeu no passado e ainda vale hoje, como é atual, atemporal, enfim, como é unica!
    amei seu canto, bjs

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  8. "A revolução dos bichos", me marcou e me assustou muito na adolescência. Preciso reler. E tenho ele na minha biblioteca.

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