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O tempo e o amor



Imagem/Pinterest

Gostar, gostar mesmo, Janinha gostava era da Etelvina. Magra, magérrima, daquelas de dar dó, Etelvina parecia ainda mais magra porque não tirava nunca o vestido de luto. Era comprido e sem firulas. Simples como a viuvez tem de ser. Mas ela não era triste, não. Etelvina era o contrário da tristeza. Ela ria, ria muito, ria alto e contava suas histórias, novas ou velhas, mas nunca repetidas.

Ela morava numa casa que nem era casa mesmo de verdade. Era um barraco de paredes nuas perdido no meio daquele mato, que ficava num grotão da fazenda do fazendeiro rico. Como Etelvina alegrava todo mundo com os seus casos, ia ficando lá para receber as pessoas interessadas em ouvi-la. De longe, dava para escutar as risadas gostosas e roucas.

Janinha não tinha visto ainda Etelvina. Tudo que sabia dela era de ouvir falar. E todos tinham uma história ouvida dela para recontar. Um dia, o pai puxou a menina pela mão. Ele reclamava pelo caminho que estava com a alma estragada e precisava de uma história nova para servir de remédio. E lá se foram os dois atrás do mato que escondia o barraco.

Etelvina parecia adivinhar a visita. Acendera o fogo do fogão a lenha para esquentar a água do café. E sentara-se à porta do barraco, num tamborete sem detalhes, com o cachimbo na boca como se fosse preta-velha. Pacientava-se, enquanto as ideias escapavam no meio das baforadas. Ao ver a menina, riu, balançando o papo. Janinha achou graça, daquelas graças que não são para rir. É que o vestido era igualzinho ao que todo mundo dizia, mas ninguém havia falado que Etelvina era papuda.

Janinha enfiou os olhos para dentro do barraco, que era escuro como o vestido da viúva. A luz da lenha que trepidava no fogo quase não iluminava nada e, num canto do único cômodo do barraco, havia a lamparina dona de uma chama tímida. Enquanto o pai ouvia a história para se alegrar, a menina inventava o tempo e inventava o amor com as sombras dos dedos, que ganhavam importância na parede de barro e capim. E Etelvina ria alto, ria muito e ria gostoso.

* Ótimo fim de semana!



18 comentários:

  1. Bom dia!
    Tocante, triste, intenso e que nos faz pensar sobre o luto num todo.
    Bom demais!
    Vou estar longe por um tempo, mas sempre que puder, lhe visitarei.
    bjs
    Ritinha

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  2. Adorei essa Etelvina que sabia a todos alegrar, embora tivesse motivos pra triste estar! Adorei a cena, o teu jeito de nos colocar nela e brincar com as sombras na parede, me fez voltar ao passado. LINDO! beijos,lindo fds! chica

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  3. Na vida temos que rir muito mesmo, pq motivos para chorar teremos sempre.
    Adoro pessoas que tem esse dom, de transformar situações tristes em momentos de alegria.


    bjokas =)

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  4. Etelvina tinha motivos para ficar triste,mas a alegria transbordava dentro do seu coração.
    bjs amiga Rovênia e um ótimo final de semana.
    Carmen Lúcia-mamymilu

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  5. Boa tarde Rovênia.. por mais triste que seja a vida de uma pessoa ela sempre encontrará uma saida para que o sorriso possa fluir vivo e cheio de luz.. abração amiga

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  6. Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura.
    Florbela Espanca

    [é bom, muito mesmo te visitar]

    beij0

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  7. Você resgatou um tempo bom da infância quando eu brincava com as sombras.

    Etelvina com seus sorriso, mascarava a própria dor.Quem saberia dizer por quanto tempo, o luto, em seu coração ficou?


    Resiliente, Etelvina, ainda conseguia trazer alegria aos outros.

    Muito bom Rovênia. Show!!!



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  8. Olá Rovênia. gosto muito quando venho aqui. Gosto de tua forma de escrever!!!

    Lindo conto!!!

    Um abraço!

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  9. Alma estragada se conserta com boa história e muita gargalhada!
    Lindo.
    Tenha um final de semana cheio de risos!
    Beijo

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  10. As vezes as tristezas da vida, servem de trampolim para altas risadas mais adiante!


    bjss flor

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  11. A felicidade é um estado, vem de dentro para fora, as intempéries deve nos servir de aprendizado, Etelvina passa isso. Bjos.

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  12. Olá,
    a obtenção da felicidade vem das pequenas coisas inesperadas.

    Abraço

    ag

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  13. quando eu era mais moço e mais sozinho no mundo, eu gostava de conversar com pessoas simples muito vividas... uma vez, comecei a conversar com uma velhinhos que estavam bebendo em um bar. eles eram ex-expedicionários e estiveram na segunda guerra mundial. ouvi muitas histórias doloridas deles. outra vez, estava numa cidadezinha do interior e comecei a tomar uma cervejinha num daqueles armazém que vende tudo que pertencia a um velhinho também... fiquei muitas horas conversando com ele.. me contava o tanto que viveu até se assentar por ali, fora da marinha mercante e viajou pelo mundo... eu gostando de ouvir e ele gostando de contar, eu fazia que ia embora e ele não deixava, pedia para eu tomar outra cerveja, e eu me ia deixando e gostando de ficar. Essas experiências foram muito legais. E pensar que muita gente, na mesma situação que eu, ficou se lamentando por estar num fim de mundo.

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  14. Que lindo.
    Ela tinha motivos para está triste,mas a alma dela era alegre demais para abrigar a tristeza.
    Uma ótima semana.
    Beijos.

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  15. Devia existir mais Etelvinas...
    quem sabe me faria rir gostoso também!
    boa semana florzinha

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  16. Quando era criança conheci uma "Etelvina", que na verdade chamávamos de Dona Divina. Tinha papo e "pitava" cigarros de palha. Contava histórias, fazia chás e benzia as crianças. Tinha uma risada sonora, embora carregada de pigarro por causa do fumo. Como era bom ir na casa dela (tinha sempre biscoitos de polvilho que eram uma delícia!). Boa lembrança!

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  17. Eu tenho a felicidade de conhecer uma Etelvina (a minha se chama Cotinha). Tem um coração tão machucado e leva a vida a consertar o coração do próximo. Peço a ela que escreva as suas histórias e ela repete "sei ler, juntando todas as letrinhas, mas nunca consegui escrever".

    E a música de hoje trouxe doces lembranças, de um tempo de muito amor.

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  18. Delícia te ler, sempre, Rovênia.

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