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No Cafundó da poesia

Ilustração de Anelise Zimmermann
Eu sempre achei que Cafundó fosse um lugar longe e feio. Tão longe e tão feio que não valeria esforço para se chegar até lá. Diziam os mineiros mais velhos que estariam no Cafundó as botas de Judas e então a gente, que era criança, nem perguntava mais nada. Nossa curiosidade já estava morta e enterrada diante da cara feia que eles faziam.

Mas o destino quis que eu chegasse ao Cafundó. E quanto engano acumulado desde os primeiros falatórios dos adultos que tudo sabem! Bom, pelo menos há os adultos poetas que não cresceram e ficaram bobos, esquecendo-se da imaginação. No Cafundó só não achei as botas de Judas, mas todo o resto é um encanto.

Cheguei em casa com as novidades martelando a cuca. Como deixar as meninas passarem pela infância sem conhecer o Cafundó? Essa palavra nunca entrara lá em casa! Ela estava adormecida nos meus tempos de criança. Mas agora tudo ficara diferente. Cafundó tornara-se um lugar estrelado e não poderia mais ficar escondido das crianças.

- Meninas, vocês sabem o que é Cafundó? 

Diante do NÃO, assim mesmo, bem grande, deixei que inventassem:

- Cafundó é sinônimo de cafuné! - diz a Bruna, sabichona com as mãozinhas firmes na cintura de um palmo.

- Cafundó é no alto das estrelas! - conclui a Clara, espiando com o olhar gigantesco a ilustração da capa.

Cafundó explicado, lemos as aventuras rimadas e voamos para longe, sonhamos tão alto que o cachorro no quintal latiu, mas calou-se para também ouvir os versos. No Cafundó há palavras que brilham e rimam. Ele fica no céu pintado de estrelas, "nos cotovelos do tempo, nos despertares da lua".

O Cafundó é onde mora a poesia e "o sapo violeiro entoa cantiga de roda e uma orquestra de grilos lembra o som de Villa-Lobos". Como chegar lá? O menino dos versos navegou entre as constelações, nós três fomos lendo mesmo. Escutamos o riso dele a cada página virada. E..."se a noite constrói castelos, o menino se ilumina de pirilampos".

- Eu sei o que são pirilampos. Você não vai perguntar, não?

- O que são pirilampos, senhorita sabichona?

- São os vaga-lumes que pedem emprestado um pouco do pisca-pisca das estrelas, ué! 

Eu é que não serei uma adulta boba. Sorri e dei-lhes dois beijos de bons sonhos no Cafundó da Poesia.


* As aspas são do escritor Sergio Napp, autor do livro No cafundó das Estrelas, Editora Paulinas. 

11 comentários:

  1. Que encanto isso! Adorei a definição de pirilampos. Linda, poética! Maravilhoso texto! beijos,tudo de bom,chica( e quem não lembra desse tal Cafundó do Judas,rs)

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  2. Eu tinha o mesmo pensamento sobre Cafundó. Esse toque poético na palavra mudou tudo. Que bom!

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  3. A cada dia uma delícia de texto Rovênia.
    Descobrir o que tem lá nas lonjuras do cafundó só mesmo desbravando a imaginação dos poetas.E sabes bem faze-lo.
    um beijo grande

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  4. Esse teu jeito suave deixa a vida da gente mais gostosa. Lindo isso, de querer chegar logo em casa pra degustar um livro com as filhotas. Também sou assim. Hoje em dia não leio mais pra eles, mas deixo livros espalhados pela casa. Adoro quando procuro por um e está perdido entre as cobertas....


    beijo

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  5. E eu falo tanto cafundó rs...
    bjokas =)

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  6. Boa tarde Rovêmia.. pior né.. o cafundó do brejo rsrs cansei de ouvir isso.. as palavras com um pequeno ajuste são poderosas é o mesmo que Roma.. ao contrario fica amor..e Davi ao invertendo fica vida.. e uma outra série delas.. muito bem transcrito o teu texto lindo dia até sempre

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  7. Cafundó pra mim é e sempre foi um lugar bem longe, não necessariamente feio ou ruim, nem de se falar, nem de se ir. Um lugar tipo assim onde os vaga-lumes vão recarregar suas baterias e pirilampos dão assistência técnica :)

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  8. ¡¡¡Que bonito Mundo ese de Cafundo donde vive la Poesía y revolotean las luciérnagas como hadas llenas de Luz.
    Precioso Texto...Me ha encantado.
    Abraços e beijos.

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  9. Achava até fedido o cafundó. Devia ser o chulé exalado das botas do Judas.
    Mas agora, cafundó com cafuné?
    Clara e Bruna me encantaram, como encantam os pirilampos. Adorei!
    Beijinhos às três.

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  10. Rovênia, deslumbrou sempre com tua prosa poética. Encanta-me os seus textos.

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  11. Que bonito, Rovênia! Sempre que leio as coisas que você escreve, imagino que esteja construindo um caminho de poesia para as suas filhas. E se nesse caminho até o cafundó, que é um lugar muito distante (para mim que sou adulta), tem poesia e pirilampos, deve ser muito legal!

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